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E. P. Thompson: obra, conceitos e recepção aqui no Brasil

Atualizado: 12 de abr. de 2020


Edward Palmer Thompson (1924-1993) foi um historiador social inglês. Segundo Marcelo Badaró, historiador social brasileiro, apesar de Thompson ter sido um historiador assumidamente marxista, deve-se deixar claro a que tradição marxista ele se comprometia. Nesse sentido, em oposição ao que Thompson chamava de “marxismo teológico”, o historiador se alinhava com a tradição marxista que pregava o racionalismo e a crítica.


Em meio a sua vasta obra, não restam dúvidas de que A formação da classe operária inglesa, publicada no ano de 1963, seja a mais conhecida e aclamada. A partir do artigo A formação da classe operária inglesa: história e intervenção, escrito por Badaró e publicado em 2014, podemos afirmar que em diversos sentidos a obra em questão é inovadora.

Primeiro que nela Thompson busca enfatizar os aspectos culturais e cotidianos da vida da classe operária, concebendo assim uma nova história social do trabalho. Segundo que no livro o historiador dirige duras críticas às teses liberais que estavam na ordem do dia, ao marxismo dogmático e à história econômica puramente quantitativa. Terceiro, mas não menos importante, é que em A formação nos deparamos com uma gama de conceitos reformulados – classe - ou elaborados – agência - por Thompson.

Ainda de acordo com o mesmo artigo, podemos afirmar que dois fatos foram essenciais para a escrita de A formação: o contexto historiográfico em que a obra foi produzida e a militância política de E. P. Thompson.

No referente ao contexto historiográfico, a partir de meados do século XX diversos historiadores marxistas, entre eles Thompson, estavam criticando uma história de cunho economicista, e chamavam a atenção para os aspectos da chamada superestrutura, defendendo a sua independência e dinamicidade.

Em relação ao engajamento político do historiador - a sua militância em defesa das lutas de esquerda e a sua atuação enquanto professor de adultos trabalhadores -, ele foi fundamental para que Thompson formulasse as suas principais teses e conceitos. Segundo Badaró, foi justamente essa experiência política de Thompson - que considerava a história como um meio de intervir na sociedade - que lhe permitiu formular as contribuições mais importantes de sua obra.

Já comentamos sobre a inovação conceitual promovida por Thompson, mas nos cabe adentrar mais nesse ponto, tendo em vista que a obra do historiador trouxe conceitos bastante plausíveis e importantes para as abordagens historiográficas. Um conceito bastante fundamental que foi reformulado por Thompson foi o de “classe”. Já no prefácio de A formação podemos visualizar a ideia que Thompson entende por “classe”. Diferentemente de um conceito mecanicista e a-histórico, “classe” é tida por Thompson como um processo ao mesmo tempo em que é uma relação, com ambos sendo históricos, portanto dinâmicos. Outro conceito importante, e que também já deixa marcas no prefácio, é o de “agência”, definido por Thompson como a capacidade de homens e de mulheres fazerem a sua própria história, apesar de estarem inseridos em condições dadas.

Em relação à sua abordagem, vale ressaltar que ele é um dos grandes nomes e precursores da chamada “história vista por baixo” ou “história da gente comum”. Nesse sentido, sua esposa - Dorothy Thompson - alega que A formação se tornou um marco da historiografia justamente por partir do interesse pela experiência das pessoas comuns. Como o próprio historiador escreve no prefácio, ele objetiva resgatar os pobres e os trabalhadores da história inglesa.

A sua ênfase na dimensão cultural da vida operária também deve ser observada, tendo em vista que Thompson é o grande nome da renovação da historiografia marxista. Como já foi comentado, apesar de o historiador integrar uma geração de historiadores que muito questionava as abordagens economicistas empreendidas pela vertente marxista, a obra de Thompson foi o que de fato marcou essa renovação.

Em um dos textos lidos, “A venda de esposas”, presente no livro de Thompson chamado Costumes em comum, publicado em 1991, podemos apreender de maneira bastante clara os conceitos e as abordagens do historiador social. Partindo da perspectiva de fazer uma história vista de baixo, Thompson resgata a prática da venda de esposas, presente na cultura plebeia inglesa nos séculos XVIII e XIX.


Ao partir da experiência das pessoas comuns, o historiador busca desconstruir a concepção, bastante difundida, de que a tal prática se tratava de algo animalesco e brutal, fruto das dificuldades econômicas e da ignorância dos envolvidos. Diferentemente desse discurso, por meio de suas pesquisas, Thompson afirma que a venda de esposas se tratava de um rito que funcionava como uma espécie de divórcio, numa sociedade e numa época em que o divórcio, em termos formais, não existia. Além disso, o historiador afirma que a prática era bastante difundida, uma vez que possuía grande legitimidade e aceitação por entre a tradição e os costumes populares.

A noção de agenciamento também pode ser visualizada no texto, visto que Thompson, como ele mesmo afirma, não parte da consideração de que as esposas que eram vendidas eram vítimas de tal prática. O autor afirma que apesar da venda de esposas estar inserida em uma sociedade patriarcal, marcada pela dominação masculina e exploração feminina, as mulheres eram sujeitos ativos de suas próprias histórias, e muitas vezes encontravam na venda de sua pessoa uma maneira de se autoafirmarem. Vale a pena frisar que essas conclusões a que chegou Thompson lhe geraram um embate entre ele e algumas feministas.

Um último ponto que gostaria de ressaltar nessa sucinta discussão sobre a obra do historiador Thompson se refere à influência que ela teve aqui no Brasil. Segundo Marcelo Badaró, a partir de meados da década de 1970 podemos encontrar menções ao trabalho de Thompson nas produções historiográficas produzidas no país. Todavia, é somente no ano de 1987, ou seja, mais de vinte anos após a sua primeira publicação, que A formação é traduzida no Brasil.

De acordo com Marcelo Cord, também historiador brasileiro, a recepção da obra do historiador social inglês no país se deu no seguinte contexto: fim da ditadura, redemocratização, a volta dos movimentos sociais, com destaque para os movimentos sindicais etc. Além disso, Cord destaca o contexto intelectual brasileiro: em fins da década de 1980 os cursos superiores ganhavam grande impulso pelo país e o sistema de pensamento marxista de cunho economicista estava sendo questionado.

Segundo Marcelo Cord, todo esse contexto de renovação política, social e intelectual fez com que não apenas os historiadores dialogassem com a obra de Thompson em busca de uma nova abordagem teórica e metodológica, mas que também as pessoas das camadas mais populares da sociedade, engajadas nas lutas por direitos sociais, lessem a obra de Thompson, se apropriassem e ressignificassem os seus conceitos para darem legitimidade as suas lutas. Tanto Marcelo Cord quanto Marcelo Badaró afirmam que a obra de Thompson foi de grande importância para a renovação dos estudos sobre a classe operária brasileira.

Por fim, após ter conhecido um pouco sobre a obra de Thompson e ter realizado essa pequena discussão, gostaria de começar a minha conclusão afirmando algo que se trata de um consenso: a obra de Thompson é inovadora e A formação da classe operária inglesa se trata de um texto obrigatório nos cursos de História. Apesar de Marcelo Badaró recusar o título de clássico para o livro, posto que essa caracterização muitas vezes o transforme em algo que se deva “conhecer por mera erudição acadêmica”, acredito que o livro é, sim, um clássico, e que deve ser lido com a pergunta sempre em mente: Por que se tornou um clássico?

Além disso, Thompson é um grande exemplo de profissional que cresceu fora das paredes da academia e que muito soube aproveitar da experiência junto às pessoas comuns, no caso, os seus alunos. É claro que se não fosse o seu compromisso com a história e toda a sua bagagem de conhecimento teórico ele não teria sido o historiador que foi, mas o contato e a valorização de outras experiências se mostrou algo bastante profícuo. O historiador também é a prova de que ciência e militância podem caminhar juntas, por meio da seriedade e da honestidade.



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