Em diversos sítios da internet a biografia e a vida do historiador Georges Vigarello é um assunto discreto, mesmo sendo um assíduo palestrante e concedendo inúmeras entrevistas sua carreira intelectual não acompanha sua vida íntima, de forma pública. Todavia, podemos destacar que sua nacionalidade é francesa, e, que nasceu na cidade de Monaco em 1941 – atualmente com 76 anos de idade. Vigarello é formado em educação física e filosofia. Além do mais, em 2007, recebeu um doutorado honorário da Universidade de Montreal.
Georges Vigarello atua como diretor de pesquisa na Escola de Estudos superiores em Ciência Sociais (École des Hautes Etudes en Sciences Sociales), e é co-diretor do Centro Edgar Morin. Para mais, Vigarello se destaca por ser membro do Instituto Universitário da França e Presidente do Conselho Científico da Biblioteca Nacional da França.
O intelectual é conhecido pelo público mais amplo através da divulgação de suas obras na coleção de bolso (com muitas traduções, inclusive para o português), que trata sobre a história da higiene, saúde, práticas corporais e representações do corpo. Fundamentando assim suas áreas de interesse no campo da História. Entre suas obras temos: Conceitos de limpeza: mudança de atitudes na França desde a Idade Média (2008); História da beleza, do corpo e da arte de embelezar desde o renascimento até o presente (2004); A História do Corpo (2006); O limpo e o sujo: uma história de higiene corporal (1985).
Iremos nos ater, entretanto, na síntese da obra intitulada por O limpo e o sujo (1996). Essa obra foi publicada originalmente em francês com o título Le propre et le sale, em 1985. Observa-se que o livro é dividido em quatro partes: primeira, "Da água festiva à água inquietante"; segunda, "A roupa branca que lava"; terceira, "Da água que penetra o corpo àquela que o reforça”; quarta, "A água que protege".
Contudo, destaco um recorte mais minucioso – tendo em vista o material disponível à ser avaliado. Essa resenha de síntese será feita a partir do subtópico “A água que se infiltra” (p. 7-21), presente na primeira parte: “Da água festiva à água inquietante”.
Sintetizando o texto, Vigarello inicia sua discussão analisando como as pestes influenciaram a Europa no século XVI e XVII. Segundo o autor, as cidades e aldeias vizinhas, temendo o contágio, recusavam manter qualquer tipo de ligação, e qualquer comércio com outras. outras. Outro ponto a ser destacado, inicialmente, é que a tradicional fuga das cidades infectadas se tornava, por vezes, perigosa; segundo Vigarello, levava ao confronto com cidades vizinhas capazes de franca violência – é o caso dos fugitivos de Lyon em 1628, condenados a voltar a sua cidade; e, os habitantes de Digne em 1629, obrigados a permanecerem no interior de suas muralhas. O historiador afirma, “as cidades vítimas de peste tornavam-se alçapões condenados ao horror” (p. 7).
Posteriormente o autor fornece aos leitores algumas fontes que esclarece as questões judiciais e proibições, que tinham o intuito de frear as contaminações. Segundo ele, em muitas cidades os notários não podem aproximar-se das casas atingidas (pela peste). Acrescenta que, os “conselhos” referiam-se também à higiene individual: suprimindo quaisquer práticas que podiam abrir o corpo ao ar infeccioso, como o trabalho violento que aquece os membros, o calor que “afrouxa” a pele, e também... o banho.
Para o Vigarello, as desconfianças levavam a suspender frequentemente às escolas, às igrejas, às estufas e aos banhos. Era, portanto, preciso restringir os intercâmbios e as transmissões possíveis. O autor analisa que, a maior parte das epidemias ocorriam durante a estação quente, favorável às ondas de pestilência – segundo ele, no século XVI os fechamentos de casas de banho tornavam-se oficial e sistemático, obedecendo a lógica dos isolamentos.
Em seguida Vigarello indaga, “porque atribuir significado histórico a tais proibições?” (p. 9). Ele responde ressaltando que, além do temor dos contatos, há muitos outros medos em jogo – entre outros, os medos de uma fraqueza dos invólucros corporais. Diante disso, o autor aponta várias fontes históricas que confirmam a relação entre o medo e a água, nos séculos XVI e XVII.
Mais à frente, induzindo que o banho e a estufa são perigosos porque abrem o corpo para o ar, e, que o organismo banhado resiste menos ao veneno porque ele lhe é mais oferecido, o autor vai suscitar casos em que os princípios de não-banho se destacam. Um dos primeiros desses casos, conforme Vigarello, é que as primeiras lutas direcionadas contra a peste, sobretudo a partir do século XVI, fizeram surgir uma imagem temível: o corpo se compõe de invólucros permeáveis – anteriormente analisado pelo autor, era esse um dos medos substanciais, a fraqueza das coberturas da pele.
Dessa forma, segundo o historiador, era preciso proteger o corpo (a pele) e seus invólucros permanentemente contra qualquer dano. E, isso era determinante, por exemplo, na forma e na qualidade das roupas. De acordo com o autor, em tempo de pestes as roupas deviam ser de panos lisos, de tramas compactas e bem ajustadas ao corpo – o ar pestilento devia deslizar sobre elas sem possiblidade de se prender.
Mas, mediante às palavras de Georges Vigarello, os banhos abriam as portas para muitos outros perigos além daqueles do ar pestilento. Por exemplo, as gravidezes de estufas, devidas à “impregnação” do sexo feminino por algum esperma itinerante na tepidez da água. Ou, também ao ar malsão, ao frio, aos males indefinidos. Para o autor, trata-se de uma fraqueza difusa, pois na mentalidade da época também era crente que pelos poros escapavam os humores e os vigores.
Por meio disso, o autor assinala alguns cuidados da realeza em torno dos banhos (p.12-14), que vai desde precauções à prescrições médicas. Porém, segundo o autor, a sugestão mais extrema, a ponto de ser extravagante, foi a de Francis Bacon, que exigia, em1623, que a água tivesse uma composição idêntica à das substâncias corporais. Nesse sentindo, Vigarello é pontual ao afirmar que, os tempos de peste exacerbaram uma imagem de fronteiras corporais penetráveis – corpo aberto ao veneno. O CORPO MAIS AMEAÇADO SERIA O MAIS POROSO. Acrescenta que, o medo do banho ultrapassou as simples condições da epidemia e a permeabilidade da pele tornou-se uma preocupação permanente.
Na visão do autor, foi pensando nessas preocupações que as pessoas direcionaram sua atenção para as crianças. Pois, julgavam o corpo do recém-nascido totalmente poroso. Logo, a pele do bebê, mais frágil do que qualquer outra, precisava se constantemente vedada. Para efeito didático o historiador afirma que, as pernas do delfim, o futuro Luís XIII, não foram lavadas antes da idade de seis anos.
Por fim, Vigarello faz suas ponderações finais, em “A água que se infiltra”, discorrendo brevemente sobre os banhos à seco. O autor, conclui dizendo que todos esses temores e dispositivos levam a muitas lógicas diferentes das precauções de hoje – supõem padrões de funcionamentos corporais totalmente estranhos aos nossos. _________________
Destaco, na leitura, o grande potencial do texto na compreensão da História Moderna Ocidental. Pois, é um preludio às relações dos homens e mulheres com às águas – numa perspectiva higiênica e histórica. Um prato farto aos que se interessam pela História Ambiental ou aqueles que não tiveram contato, ainda.
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