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Como surgiram as fábricas?

Atualizado: 20 de mai. de 2020

Uma leitura de: O nascimento das fábricas


Todo mundo sabe que vivemos sob o sistema capitalista e que nossa relação social de produção é o assalariamento, o qual, sobretudo no início do capitalismo, apresenta incrível ligação com o mundo fabril. Você já parou para pensar como surgiram esses lugares de produção? Já parou para pensar que essa é uma construção historicamente recente? Hoje vamos te apresentar um texto do historiador Edgar De Decca que trata exatamente desse assunto! O nascimento das fábricas[1].

Imagem: Pixabay

Edgar Salvadori de Decca é um historiador com doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo. Em seu texto “O nascimento das fábricas”, ele analisa a sociedade do trabalho com foco no sistema de fábricas, entendendo que a máquina fez da fábrica um lugar de superação das barreiras da condição de ser humano. Este sistema de máquinas gera uma série de resistências nos trabalhadores que se veem submissos aos seus patrões. É nas fábricas do século XVIII que o pobre vai sendo inserido no mundo burguês. O autor trabalha com a ideia de que nesse sistema de fábricas havia a uma intenção de organização e disciplinarização do trabalhador. Aqui, analisarei o capítulo primeiro do seu livro, que se chama “Nunca temos tempo para sonhar”. O autor inicia-o pensando a respeito da instituição “mercado”, que segundo ele impõe às pessoas certas tecnologias que as impedem de pensar noutras.


As pessoas são, na visão do autor, seduzidas por certos mecanismos de controle social.

“Portanto, ao falarmos em mercado ou em divisão social do trabalho não estamos nos referindo à questão de maior ou menor produtividade do trabalho, mas sim à apropriação mesma dos saberes” (DECCA, 1988, p. 13).

Neste sentido, Decca (1988) defende que o que detém o saber é indispensável no processo de trabalho, pois aos demais homens a possibilidade desse saber está vetada. O autor defende também que a instituição de mercado impõe certas normas e valores próprios de determinados setores da sociedade. Esses valores são burgueses e são introduzidos no âmbito do trabalho. De acordo com eles, o tempo vai ser pensado como sendo relacionado ao dinheiro e, dentro deste sistema, “autodisciplina, controle de si mesmo, crítica à ociosidade, são exigências imperiosas para o comerciante que se envolve na esfera do mercado” (DECCA, 1988, p. 15). Para De Decca isso faz parte de um discurso “normatizante” de “tempo útil”. O mercado cria uma espécie de normatização no pensar e agir dos homens.


Nota-se que Decca faz certa revisão bibliográfica, citando alguns autores que pensaram a temática das relações sociais de trabalho dentro duma ótima burguesa. Cita, por exemplo, Stephen Marglin, que analisou o sistema de fábricas no seu livro “Para que servem os patrões”, visando a estudar a primeira configuração da produção capitalista, num modelo que chamam de “putting-out system” (DECCA, 1988). Marglin pensa em seu livro a figura do negociante como importante para a o desenvolvimento duma hierarquia social capitalista. “No ‘putting-out system’, o capitalista tem o acesso ao mercado e veta aos trabalhadores diretos esse contato, mas, ainda assim, esses últimos ditam o processo de produção” (DECCA, 1988, p. 15).


O autor põe uma indagação a respeito do motivo pelo qual estes trabalhadores em determinado momento se reuniram em um sistema de fábricas. Para responder a esta questão, ele cita o que pensava Marglin:


“Para ele, a reunião dos trabalhadores na fábrica não se deveu a nenhum avanço das técnicas de produção. Pelo contrário, o que estava em jogo era justamente um alargamento do controle e do poder por parte do capitalista sobre o conjunto de trabalhadores que ainda detinham os conhecimentos técnicos e impunham a dinâmica do processo produtivo” DECCA, 1988, p. 22).

Decca trabalha com a ideia de que essa organização de trabalhadores nesses ambientes foi para que houvesse um maior controle deles e para colocar o controle da produção sob as mãos dos capitalistas. Isso significa mais poder nas mãos do capitalista e mais hierarquia nessas relações sociais, mas não necessariamente progresso técnico. Fazendo ainda referência ao trabalho de Marglin, Decca escreve que todo esse sistema de fábricas representou justamente a perda do controle por parte dos trabalhadores domésticos e, por isto, também houve muita resistência, como, por exemplo, sabotagens. (DECCA, 1988).


Tentando explicar essa constituição do regime fabril, ele também cita David Dickson em seu livro “Tecnologia Alternativa”, que faz uma espécie de enumeração das razões para a constituição deste sistema. 1º: os comerciantes necessitavam controlar e comercializar a produção advinda dos artesãos; 2º: era interesse deles maximizar a produção via controle de tempo e ritmo de trabalho; 3º: também era importante o controle da inovação da técnica para a acumulação capitalista; 4º na fábrica houve a criação duma organização da produção o que tornava necessária a figura do empresário capitalista. (DECCA, 1988).


“Contudo, esse autor não pára aí. Mostra-nos, inclusive, como a partir da constituição do sistema de fábrica vai se impondo, progressivamente, um determinado padrão tecnológico, isto é, um padrão que, acima de tudo, garantia ordem, disciplina e controle de produção por parte do capitalismo” (DECCA, 1988, p. 22).

Decca também analisa a constituição das fábricas noutros países, não só na Inglaterra. O caso francês é um exemplo, mas ele diz que lá o surgimento das fábricas chegou em atraso devido ainda às lembranças da Revolução Francesa. A massa reunida representava medo à burguesia.


A fábrica é o lugar da divisão social do trabalho. Decca cita a fábrica de Josiah Wedgwood, da segunda metade do século XVIII, onde, segundo ele, essa organização do trabalho se estruturava sem a necessidade de ocorrência de qualquer transformação profunda do aparato tecnológico. O êxito da Revolução Industrial estaria ligado às instituições de novas hierarquias e autoridades. Os maquinários, como já disse, causavam resistência: “As máquinas não só se supunha uma ameaça com respeito aos postos de trabalho, mas contra todo um modo de vida que compreendia a liberdade, a dignidade e o sentido de parentesco do artesão” (DICKSON apud DECCA, 1988, p. 31).


A máquina criava um sistema de “docilização”, “Inclusive, a ameaça da mecanização, com o desemprego implícito que levava consigo, era frequentemente utilizada pelos patrões para manter os baixos salários” (DICKSON apud DECCA, 1988, p. 34). Para falar do impacto da tecnologia sobre as relações sociais de trabalho, o autor usa Thompson, em “The Making of the English Working-class”, e diz que essa tecnologia fazia parte duma estratégia mais geral de ampliação do controle social por parte do capital. (DECCA, 2988). Decca também cita Marx, n’O Capital, com a ideia de que a máquina teria o “desejo” de reduzir ao mínimo as limitações do material humano e:


“Nessa medida, seria um paradoxo pensarmos a introdução de máquinas no universo fabril capazes de aumentar o rendimento da produção sem se conseguir ao mesmo tempo um controle intermitente do trabalhador, com o intuito de assegurar a utilização dessas mesmas máquinas com o máximo de capacidade” (DECCA, 1988, p. 36).


Dentro dum âmbito político, Decca escreve que a disciplina férrea tirou os saberes dos trabalhadores, até o técnico, para transferi-lo ao capitalista. Nesse sentido, é a instituição do sistema fabril que proporciona um determinado saber técnico, que fica sob controle do capitalista, e isso acontece via um controle do sistema de trabalho. (DECCA, 1988).


Notamos, pois, que a intenção de Decca foi mostrar que a fábrica surge mais para organizar a produção a partir duma série de coerções, numa relação de controle dos trabalhadores, tirando-lhes o direito ao saber, e por isso não tinham tempo para sonhar, pois precisavam produzir. Só a partir dessa organização foi possível o aumento das capacidades técnicas. De Decca escreve seu texto basicamente a partir de uma espécie de revisão bibliográfica sobre o assunto. A leitura do seu texto é recomendada, e principalmente àqueles que têm vontade de se aventurar pelos estudos em História do Trabalho, da fábrica e das relações de produção.

 

[1] DE DECCA, Edgar Salvadori. “Introdução” & “Nunca temas tempo para sonhar”. In: O nascimento das fábricas, 6ª ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1988.

Observação: Esse texto foi produzido por mim, inicialmente, para disciplina de História Contemporânea I, quando eu a cursei na UFCG. Para publicação aqui no Máquina dos Tempos, fiz algumas alterações.

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