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Da cura à bruxa: as transformações da figura feminina

Atualizado: 5 de out. de 2020

Já pensou no significado da palavra bruxa? No dicionario, podemos ler que bruxa se trata de: "mulher que tem fama de se utilizar de supostas forças sobrenaturais para causar malefícios, perscrutar o futuro e fazer sortilégios; feiticeira". Ou ainda, "mulher muito feia e/ou azeda e mal-humorada".


Por muitos anos, nas culturas Judaico-Cristã o mal era sempre ligado a uma figura feminina, desde a ideia de pecado original com Eva no paraíso do São Tomás de Aquino, também em outras religiões antigas como o mito da caixa de Pandora na grega e na nórdica - onde a Hela é a deusa do reino dos mortos.


Pandora (1896), por John William Waterhouse.
Hela (1889), por Johannes Gehrts.

As mulheres e a cura ao longo do tempo


Desde a mais remota antiguidade, as mulheres eram consideradas as curadoras populares: tradicionalmente representadas nas figuras das parteiras e das curandeiras, elas detinham saberes próprios, que eram passados de geração em geração. Inclusive, eram elas em muitas tribos as xãmas.


Os antigos Romanos e Gregos tinham deusas (representadas pelo feminino) relacionadas a praticas de magia e cura, como por exemplo a deusa Ártemis deusa grega ligada à vida selvagem e à caça, também associada à lua e à magia, e seu equivalente romano a deusa Diana, a Panacéia deusa grega da cura, Perséfone deusa das ervas, flores, frutos e agricultura em geral, e ainda Hécate a deusa grega da Lua Nova, do amor físico, feitiçaria, encantamentos, sonhos precognitivos, maldições, vinganças, magia negra, bruxaria e caldeirões.


Na idade média, seus saberes se intensificaram e aprofundaram, as mulheres eram as cultivadoras ancestrais das ervas que devolviam a saúde, eram também as melhores anatomistas do seu tempo, as parteiras e curadoras viajavam de aldeia em aldeia, casa em casa - eram as médicas populares para todas as doenças.


Execução em Dernburg, 1555

Com o passar dos anos isso se tornou uma ameaça ao poder médico que vinha ganhando espaço através das universidades no interior do sistema feudal, durante o fim da idade média e inicio da idade moderna a Igreja Católica e também a protestante através dos tribunais da inquisição investigam e julgam pretensos hereges e feiticeiros, principalmente as mulheres.


Religião, fé e pecado: uma construção moral em torno da mulher


Num mundo teocrático a transgressão da fé era a transgressão sexual. O sexo por prazer era pecado, era permitido somente para procriação. Caso ocorresse isto levava a punição das mulheres, pois, segundo São Tomas de Aquino a mulher após ser seduzida pela serpente tornando-se assim origem do pecado, e ela mulher (Eva) foi quem seduziu o homem (Adão) e o trouxe para o pecado, e é através dessa errônea interpretação assim como da epístola de Paulo na bíblia livro de Efésios Versículo 5:22 à 23 "Mulheres, sujeite-se cada uma a seu marido, como ao Senhor, pois o marido é o cabeça da mulher, como também Cristo é o cabeça da igreja, que é o seu corpo, do qual ele é o Salvador", que pode-se "justificar" a perseguição as mulheres na idade média.


As mentalidades e os costumes de uma sociedade são uma das transformações mais lentas, pensando no tempo histórico, por isso durante boa parte da idade média ainda estava enraizado no povo europeu, os rituais tidos como pagãos que continuaram a existir. Somente com o fortalecimento da Igreja Católica essas praticas começaram a ser demonizadas, os novos valores e dogmas do cristianismo contribuíram para a caça as bruxas, a Igreja através da existência do dualismo Bem (espirito) contra o Mal (matéria) cria um inimigo para lutar contra e se fortalecer o Diabo, e sua porta de entrada seria a mulher por ser mais suscetível ao pecado.


As imagens femininas: mulher ideal e a bruxa


A imagem da mulher ideal muda através do cristianismo pois acredita-se que a mulher deve ser pura como Maria e cuidar família e do marido. Não existia um padrão de bruxas qualquer mulher poderia ser considerada uma bruxa, pobre ou rica. O livro Malleus Maleficarum também conhecido como O Martelo das Bruxas escrito pelos inquisidores Heinrich Kraemer e James Sprenger em 1487, mostra algumas formas de identificar uma bruxa, seriam essas mulheres solteiras ou viúvas, mulheres independentes que não precisavam de uma supervisão masculina, mulheres muito bonitas ou muito feias também podiam ser consideradas bruxas, este mesmo livro nos mostra como identificar e neutralizar praticas de bruxaria, como uma vaca dar leite demais ou de menos, o leite azedar, a colheita ser muito boa ou muito ruim, uma criança que adoece, uma tempestade ou diminuição da potência sexual, infertilidade, qualquer ocorrência pode ser atribuída à bruxaria.


Banquete das bruxas - 1720 The History of Witches and Wizards.

Os inquisidores não atuavam tão fortemente em aldeias e condados pequenos, pois dificilmente caso em aldeias pequenas ganhavam atenção dos tribunais do Santo Oficio, ficando a cargo da população identificar e julgar os casos de bruxaria, o livro O Martelo das Bruxas apesar de escrito no século 15, a maior onda de caça às bruxas na Europa só começou no século 17, quando o livro já contava mais de um século. O processo de julgamento das bruxas variavam de acordo com o pecado, incluía mecanismos de “reconhecimento” das feiticeiras como pesá-las (bruxas eram vistas como pesando nada ou quase nada) ou mesmo amarrando-as e jogando-as em lagos ou rios abençoados previamente. Se afundassem, eram inocentes; se flutuassem, eram culpadas, outro mecanismo usual de “verificação” de culpados de feitiçaria era a procura por “marcas do demônio”, ou seja, marcas de nascença como pintas, verrugas ou até cicatrizes, pois acreditava-se que a bruxaria ultrapassava a pele, as marcas eram procuradas nos corpos das pessoas suspeitas em público após a retirada de todos os pelos corporais, elas seriam então espetadas com instrumentos cortantes. Se houvesse sangramento, a pessoa era inocente; se não houvesse – o que era costumeiro devido à técnicas específicas dos inquisidores -, a pessoa era culpada, além da famosa fogueira a qual a causada era atada por cordas e queimadas.


Todo esse processo ocorria caso a pessoa acusada não confessa-se o crime, as vitimas eram torturadas e coagidas a confessar. Homens também eram julgados por bruxaria, entretanto sempre tinha uma mulher por trás o influenciando, uma irmã, esposa ou mãe, pois o homem não era capaz de tal ato. A inquisição teve objetivos como podemos ver na obra Calibã e a Bruxa, da Silvia Federici, dentre esses objetivos a normatização da sexualidade e as mulheres se tornam frígidas, pois o orgasmo era coisa do diabo e, portanto passível de punição. Limitam-se exclusivamente ao âmbito doméstico, pois a ambição também era passível de castigo, o saber feminino popular cai na clandestinidade, quando não é assimilado como próprio pelo poder médico das universidades já solidificadas. As mulheres não tem mais acesso aos estudos e passam a transmitir voluntariamente aos filhos valores patriarcais então já totalmente introjetados por elas, sendo estabelecido assim o patriarcado.


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