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Figuras do imaginário medieval presentes nas animações Shrek (2001) e Shrek Terceiro (2007)

Atualizado: 3 de mar. de 2020



Karolliny Joally das Neves Miranda*

Resumo: O presente trabalho se realiza com o objetivo de melhor conceituar e compreender o campo do imaginário e do maravilhoso medieval. Além disso, pretende-se realizar uma breve discussão sobre as apropriações que são feitas da Idade Média pelo cinema, para, em seguida, melhor explorar esse imaginário por meio da análise de algumas de suas figuras que porventura aparecem nas animações: Shrek (2001) e Sherk Terceiro (2007). A produção da pesquisa se trata de uma atividade avaliativa proposta pela disciplina História Medieval Ocidental, ofertada pela Universidade Federal de Campina Grande. Para a sua realização, foi fundamental a leitura de dois livros: O imaginário medieval e Heróis e maravilhas da Idade Média, bem como a análise crítica dos filmes acima mencionados, relacionando-os com o material de leitura.

Palavras-chave: Idade Média, Imaginário, Cinema, Apropriações, Shrek.


Introdução

“A Idade Média hoje está na moda” (LE GOFF, 2009: 26). Sim, de fato. É considerável o número de produtos da indústria cultural que se apropriam de representações, reais e imaginárias, do chamado período medieval. Não é difícil citarmos um filme, uma série ou um livro que traga imagens de bruxas, dragões, castelos, cavaleiros, florestas misteriosas, entre várias outras referências à Idade Média.

Nesse sentido, não somente para a indústria cultural, mas também para a ciência histórica, o campo do imaginário tem se tornado bastante profícuo. De acordo com o medievalista Jacques Le Goff, o campo do imaginário se integra ao campo das representações, todavia, o ultrapassa. Além disso, Le Goff julga ser o cinema um dos grandes responsáveis pelo renascimento e popularização do imaginário medieval nos últimos tempos (LE GOFF, 2009: 26).

Diante dessas considerações, o presente trabalho se realiza com o objetivo de melhor conceituar e compreender o campo do imaginário e do maravilhoso medieval. Além disso, pretende-se realizar uma breve discussão sobre as apropriações que são feitas da Idade Média pelo cinema, para, em seguida, melhor explorar esse imaginário medieval por meio da análise de algumas de suas figuras, as de traço humanístico, que se fazem presentes nos filmes que contam as aventuras do ogro Shrek, sendo eles, mais precisamente: Shrek (2001) e Sherk Terceiro (2007). Ambos se tratam de produções norte americanas.

Já faz tempo que tenho interesse em pesquisar sobre o tema do imaginário medieval. Sempre que assistia a animações - sobretudo as do personagem Shrek, pelas quais tenho certo apreço - com referências medievais, me despertava a curiosidade de saber que sociedade concebeu tal figura e que significados e que usos a ela atribuíam. No entanto, a oportunidade surgiu por meio da disciplina História Medieval Ocidental, ofertada pela Universidade Federal de Campina Grande. Dessa maneira, o artigo se constitui em uma atividade avaliativa proposta pela disciplina na III unidade do período 2017.1.

Para o empreendimento da pesquisa, foi fundamental a leitura de dois livros: O imaginário medieval e Heróis e maravilhas da Idade Média, ambos de autoria de Jacques Le Goff, de longe um dos maiores estudiosos da Idade Média. A análise crítica dos filmes acima mencionados, relacionando-os com o material de leitura, também fez parte de minha metodologia.


O campo do imaginário e o maravilhoso medieval

O imaginário alimenta o homem e fá-lo agir. É um fenômeno coletivo, social e histórico.
Jacques Le Goff.

Ao escrever o prefácio da primeira edição do livro O imaginário medieval, Le Goff se mostra consciente diante do fato de que “cada vez mais os historiadores se apercebem de que tudo na vida dos homens e das sociedades está também na história e necessita de um tratamento histórico” (LE GOFF, 1994: 16). Essa sua declaração, feita em meados da década de 1990, está diretamente relacionada com a importância e com a dimensão histórica que cada vez mais as análises historiográficas vinham atribuindo ao estudo do imaginário.

O campo do imaginário, que é relativamente novo dentro da história, pertence ao campo da representação, que, por sua vez, segundo o historiador Christian Amalvi, se constitui no coração da história das mentalidades (2002: 548). Para Le Goff (1994), a representação diz respeito a uma tradução, por meio de um ato de abstração, que é feita de uma dada realidade percebida. Já o imaginário, por sua vez, também implica uma tradução, todavia, embora pertença ao campo da representação, ele tende a superá-lo por motivo de realizar-se por meio da fantasia (LE GOFF, 1994).

De acordo com a etimologia, a palavra “imaginário” está relacionada à construção de imagens: elaborar uma imagem mental de algo[1]. No tocante às imagens, estudos interdisciplinares entre as ciências humanas revelaram que todas as sociedades estão a elas associadas, sejam elas expressas por meio de iconografias, objetos artísticos ou de imagens mentais (LE GOFF, 1994). Dessa maneira, a história do imaginário:

Trata-se de uma história da criação e do uso das imagens que fazem uma sociedade agir e pensar visto que resultam da mentalidade, da sensibilidade e da cultura que as impregnam e animam (LE GOFF, 2009: 13).

Nessa perspectiva, Le Goff afirma que tudo em uma sociedade reflete algum tipo de imaginário (LE GOFF, 1994). Desse modo, o historiador deve-se manter atento ao analisar um documento para dele extrair algum aspecto do imaginário. No entanto, embora tudo encerre algum tipo de imaginário, Le Goff pontua como sendo a arte, a literatura e a música as fontes mais adequadas para se explorar o imaginário de determinada sociedade (LE GOFF, 1994).

Pelo fato do imaginário nos ser acessível também por meio da literatura, uma palavra do vocabulário literário quase que a ele se confunde, sendo ela: “maravilhoso”. Para Jacques Le Goff, é justamente o maravilhoso que nos permite visitar boa parte do imaginário medieval (LE GOFF, 1994: 23). Segundo o historiador (1994), a sociedade medieval utilizava o termo mirabilia para se referir àquilo que consideravam maravilhoso, estando este sempre associado ao imagético e ao sobrenatural.

No caso do sobrenatural, na Idade Média ele vai se dividir em três categorias: o mirabilis, que é o sobrenatural de origem pré-cristã; o magicus, que é um tipo de sobrenatural que era considerado ilícito para a cristandade, e o miraculosos, o sobrenatural propriamente cristão (LE GOFF, 1994). A partir de suas pesquisas, Le Goff (1994) julga que o cristianismo medieval pouco criara no quesito do maravilhoso. A grande maioria das maravilhas da Idade Média foi herdada - e ressignificada - de outras culturas: as maravilhas do antigo testamento, as maravilhas da antiguidade, as dos chamados “povos bárbaros”, as do oriente, sobretudo da Índia, e as maravilhas das tradições folclóricas.

O historiador também nos informa que durante vários séculos a Igreja combateu as mibilia, todavia, entre os séculos XII e XIII houve uma evidente erupção do maravilho na sociedade medieval (LE GOFF, 1994). Esse rompante deveu-se a literatura cortês, que absorvia muito das tradições orais e da literatura popular, e também ao grande uso estético que se estava fazendo das mirabilia.

Estas, nesse momento, irão desempenhar algumas funções dentro da sociedade medieval: suprir as necessidades quotidianas da população – fome, desejos sexuais etc. O grande exemplo disso é o utópico país de Cocanha -, se constituirão também num meio de resistência à ideologia cristã e, além disso, as maravilhas também foram muito utilizadas para fins políticos, com muitos governantes fazendo uso do maravilhoso para reafirmar o seu poder ou para justificar alguma decisão política (LE GOFF, 1994).


Apropriações e ressignificações do maravilhoso medieval pelo cinema

Há muito a chamada Idade Média é uma historicidade que desperta o interesse. Seja para estigmatizá-la, como o fizeram os iluministas do século XVIII que a ela se referiam por “Idade das Trevas”, seja para glorificá-la, tal como o fizeram os românticos. Nesse contexto, muito embora estes elaborassem para a Idade Média uma memória mítica e exótica, sem tantas preocupações com a pesquisa historiográfica (AMALVI, 2002), é evidente a contribuição que eles trouxeram no que diz respeito aos usos dessa temporalidade.

E sendo a Idade Média, segundo Christian Amalvi, uma grande invenção (2002:557), é notável o papel da indústria cinematográfica nessa constante fabricação dessa temporalidade na atualidade. O cinema, por muito explorar temáticas maravilhosas e fantásticas, e que por isso muito absorver do romantismo, se mostra bastante receptivo para com as apropriações e ressignificações do medievo. Os filmes que escolhemos para a produção dessa pesquisa – as animações do ogro Shrek –, por exemplo, se tratam de uma entre várias produções que recuperam referências medievais.

Todavia, é importante considerar que por mais que se apropriem de representações da Idade Média, as produções cinematográficas pertencem a um contexto histórico-social bem específico e com ele dialogam diretamente. E este, claro, é o caso dos filmes que analisamos: os chamados “filmes de aventura”. Tratam-se, sobretudo, de produções norte-americanas que se ambientam em determinada temporalidade histórica, contudo, a preocupação com a sua representação é algo secundário (MACEDO, 2009: 29 apud OLIVEIRA e FILHO, 2017: 146).

Desse modo, ao mesmo tempo em que visualizamos nos filmes da personagem Shrek usos de imagens do medievo: castelos, bruxas, reis e princesas, também iremos nos deparar com uma gama de referências contemporâneas: gírias, aparelhos eletrônicos, comportamentos etc. E embora essa presença tanto de elementos da Idade Média quanto da contemporaneidade seja tida como inconcebível, não compromete, de forma alguma, o desenrolar e o sentido da narrativa fílmica.

É importante frisar que toda essa mistura de um passado, o da Idade Média, com o presente das sociedades ocidentais não se constitui de forma alguma em um empecilho para a análise dos filmes em questão, que podem servir, sim, de fontes históricas, uma vez que foram produzidos por uma dada sociedade em determinado contexto. Além disso, essa comunicação entre a Idade Média e o presente que se apresenta nos filmes é de nosso extremo interesse no referente aos usos e resignificações que fazem de figuras do imaginário desse mesmo passado constantemente reatualizado em função de nosso presente. E é por isso que a partir de agora nos lançaremos a analisar algumas dessas apropriações do maravilhoso medieval nos filmes do ogro Shrek.


O ogro Shrek e a transgressão do imaginário da cavalaria


Segundo Le Goff (2009: 93), “A cavalaria foi a expressão mais característica do feudalismo”. Dessa forma, podemos dizer que assim como todas as grandes expressões ela tanto foi objeto de exaltação, a exemplo das canções de gesta que enaltecem o ideal cavalheiresco, como também de paródias e de zombarias, que por sua vez promovem a sua desconstrução. Como exemplo de paródias em torno do ideal da cavalaria têm-se, na literatura, Dom Quixote, de Cervantes, e, no cinema, O Incrível exército de Brancaleoni.

Nesse sentido, Shrek (2001) também se constitui em uma obra cinematográfica que satiriza o imaginário da cavalaria medieval. Para começar, podemos chamar a atenção para o fato de o “nobre cavaleiro” do filme ser o próprio Shrek, um ogro do pântano. Os ogros são figuras que permeiam o imaginário de diversas culturas do norte da Europa e da Ásia – Japão. São criaturas metade monstro e metade humana, vivem sobretudo em florestas e são conhecidas por serem devoradoras de seres humanos[2]. Dessa maneira, o ogro Shrek está longe de ser um cavaleiro ideal. É um monstro feio, sujo e flatulento, e, a principal característica, não é um nobre.

Segundo Jean Flori (2002), por mais que cavalaria não seja sinônimo de nobreza, houve um momento na Europa medieval – região onde atualmente se localiza a França-, século XII, em que a instituição da cavalaria passou a ser controlada e exercida unicamente pelos nobres da sociedade. Nessa perspectiva, Shrek jamais poderia ser um cavaleiro. Além disso, “o cavaleiro é antes de tudo um homem que possui um cavalo e que combate a cavalo” ( LE GOFF, 2009: 88). Ora, o ogro Shrek não possui um cavalo, mas sim um burro – o Burro - tagarela e covarde, e que não é tido como um animal para lhe servir, mas é o seu grande companheiro de aventuras.

Além disso, diferentemente do cavaleiro medieval caracterizado por Flori (2002: 185), que ataca, realiza proezas e grandes feitos, Shrek acaba se aventurando por acaso, uma vez que receberia em troca o seu pântano de volta. Para tanto, suas aventuras ao lado do Burro objetivam salvar a princesa Fiona da guarda de um dragão – animal que também está presente no imaginário medieval - e devolvê-la para o rei Farquaad, com o qual ela iria se casar. Nesse contexto, a animação também retoma o ideal do amor cavalheiresco, uma vez que o ogro Shrek, ao libertar Fiona, acaba por ela se apaixonando, coisa por ele considerada errada, pois além dela ser uma princesa, ela também já estava comprometida em casamento.


Hobin Hood: o ladrão de princesas


Não se sabe se de fato Hobin Hood existiu, todavia, sabemos que se trata de uma figura do imaginário inglês e cuja presença marca os textos literários dos séculos XIII ao XV. Conhecido por defensor dos pobres, Robin Hood era uma espécie de “fora da lei”. Vivendo sempre com seu bando nas florestas, ele roubava dos ricos para dar aos pobres. Além disso, em oposição ao cavaleiro medieval, que possuía um cavalo e várias armas ofensivas, Hood se caracteriza por ser um excelente arqueiro (LE GOFF, 2009).

No filme Shrek (2001), Hobin Hood e seu bando aparecem em uma cena quando Shrek, Fiona e Burro estão na floresta a caminho do reino de DuLoc. Agarrando a princesa Fiona de forma inesperada, Hobin Hood se apresenta como uma personagem ridícula, petulante e insistente. Além do mais, representa mais do que um simples ladrão, posto que também rouba princesas. A animação também ironiza o ladrão ao caracterizá-lo como um homem de origem nobre que, embora roube dos ricos para dar para os pobres, sabe muito bem como se aproveitar da situação: “Tiro do rico e dou para o pobre, só fico com pouquinho pois sou um nobre”. Após falhar na tentativa de roubar a princesa Fiona, o bando de Hobin Hood tenta reverter a situação por meio da arquearia, todavia, falham e são derrotados.


O ingênuo rei Artur e o biruta mago Merlin


As apropriações de heróis do imaginário medieval para a construção da trama dos filmes do ogro Shrek não param por aí. Em Shrek Terceiro (2007) nos deparamos com a referência a uma das figuras mais emblemáticas do imaginário medieval: o rei Artur. De acordo com Le Goff (2009), a personagem do rei Artur pode ser visualizada em um texto do século IX intitulado História dos bretões. Todavia, é apenas no século XII que a figura ganha destaque por meio da obra História dos reis da Bretanha, escrita pelo cônego Geoffrey de Monmouth. De acordo com esta fonte, Artur foi um jovem que se tornou rei com apenas quinze anos de idade, chegou a conquistar toda a região da Grã-Bretanha e lutou contra vários povos.

Diante disso, o Artur que nos aparece na animação também se trata de um jovem rapaz, que inclusive ainda frequenta a escola, e que tem a possibilidade de se tornar rei de Tão Tão Distante, reino da história. Nesta, após a morte do rei Harold, seria a ocasião do ogro Shrek assumir o poder. No entanto, por motivo de achar que não tinha a menor vocação para a realeza, Shrek e seus companheiros de aventura – o Burro e o Gato de Botas – se lançam à procura de Artur, garoto que seria o herdeiro do trono real por ser sobrinho de Harold. A partir disso, podemos considerar que a narrativa fílmica faz uma associação desta vinda de Artur para se tornar rei de Tão Tão Distante com o milenarismo que esteve bastante ligado a essa figura durante a Idade Média, posto que nesta havia a crença em “um reino da fé e da virtude, o ‘Milênio Apocalíptico’, dirigido por um rei proveniente da história” (LE GOFF, 2009: 34).

Mas se o filme faz uso de Artur é também no sentido de lhe dar uma nova abordagem. Se no imaginário medieval Artur representa não somente o ideal de cavaleiro e guerreiro, mas também o de rei, os criadores de Shrek Terceiro (2007) irão subverter totalmente esses ideais. Na animação, a personagem Artur leva um péssimo jeito para a cavalaria e, ao contrário de ser admirado por todos, é ridicularizado e menosprezado pelos seus companheiros de colégio. Além disso, durante boa parte do filme Artur não se sente nem um pouco confiante e preparado para assumir a autoridade real.

E se no filme nos aparece a figura de Artur, é claro que também nos iria aparecer a figura de Merlin, posto que este possui uma:

estreita e precoce ligação com Artur. No imaginário medieval e ocidental, ele está intimamente ligado ao rei maravilhoso, ao cavaleiro da Távola Redonda e, de modo geral, ao mundo heroico e maravilhoso da cavalaria (LE GOFF, 2009: 164).

Nessa perspectiva, Merlin se trata de uma criação literária feita por Monmouth e que aparece no mesmo texto em que o cônego escreve sobre o rei Artur. Além de ser deste companheiro inseparável, foi Merlin quem também “teria ensinado as virtudes cavaleirescas ao rei e à sua elite de cavaleiros” (LE GOFF, 2009: 165). Além disso, no imaginário medieval, Merlin é considerado tanto um profeta quanto um mágico e uma criatura ligada ao ambiente da floresta. Seu nascimento se deu após um demônio ter engravidado uma princesa durante o seu sono (LE GOFF, 2009).

Em Shrek Terceiro (2007), Merlin é encontrado por acaso na floresta por Shrek e seus companheiros. A personagem já era conhecida por Artur, que informa para os demais que Merlin já havia sido professor de magia em sua escola, todavia, havia sido expulso por ter ataques nervosos. O Sr. Merlin do filme é retratado como um mágico enlouquecido, desastrado e que não fala coisa com coisa. Muito embora ainda possa fazer suas mágicas, não as consegue fazê-las de maneira que não provoque danos, havendo nelas sempre algum erro. Dessa maneira, visualizamos que a animação faz de Merlin um mágico biruta e nada normal.


Conclusão

Na atualidade, o cinema tem promovido diversas reinvenções da chamada idade média. Nesse sentido, é grande o número de produções cinematográficas que recuperam figuras do imaginário medieval. Todavia, por serem produzidos em determinado contexto histórico e para uma dada finalidade e público, os filmes, aos se apropriarem de criaturas desse imaginário, as ressignificam, dando-lhes novas abordagens e características, muitas vezes subvertendo radicalmente a sua significação que se consagrara na história.

A análise de algumas figuras de traço humanístico que constroem as narrativas das animações Shrek (2001) e Sherk Terceiro (2007) confirma essas considerações. O ideal do cavaleiro medieval e o herói Robin Hood - Shrek (2001) -, assim como Artur e seu companheiro Merlin - Sherk Terceiro (2007) -, foram, nesses filmes, totalmente satirizados. Por mais que seja evidente a referência que essas animações façam dessas maravilhas da idade média, elas as subvertem em suas marcas mais essenciais.

Dessa maneira, o ideal do nobre cavaleiro montado em seu cavalo e realizando grandes feitos nos é representado por um ogro do pântano que se aventura ao lado de um burro tagarela. O herói Hobin Hood, cuja memória é associada a uma imagem de protetor dos pobres e oprimidos, é um ladrão aproveitador e que rouba princesas pela floresta. E as paródias não param. Em Sherk Terceiro (2007), as narrativas de Shrek seguem se apropriando e ironizando os heróis do imaginário medieval. O famoso rei Artur, lembrado por ser um ilustre e nobre cavaleiro, é um jovem ingênuo que receia a autoridade real e que mal sabe manusear uma espada. Já seu inseparável companheiro, o mago Merlin, é representado como um velho maluco.

Por fim, ao término dessa discussão sobre apropriações e ressignificações do imaginário medieval pela indústria cinematográfica, evidenciada pelos exemplos que foram apresentados, espero que ela contribua para o debate em torno da relação entre história e cinema. Considero esse debate fundamental. Em primeiro lugar, em virtude do grande número de filmes que recuperam outras historicidades. Dessa maneira, é importante refletir como que essas produções dialogam com um passado e que significados a ele atribuem. Segundo, mas não menos relevante, está no fato de analisarmos essas produções de modo crítico e consciente uma vez que grande parte da população obtém acesso à história por meio das narrativas fílmicas.


REFERÊNCIAS

LE GOFF, Jacques. Heróis e maravilhas da Idade Média. Trad: Stephania Matousek. Petrópolis, Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2009.

_____. O imaginário medieval. Trad: Manuel Ruas. Portugal: Estampa, 1994.

FLORI, Jean. “Cavalaria” (pp. 199-185) e AMALVI, Christian. “Idade Média” (pp. 551-537). In: LE GOFF, Jacques e SCHIMITT, Jean Claude (orgs.). Dicionário temático do ocidente medieval. São Paulo, SP: EDUSP, 2002.

OLIVEIRA, Beatriz dos Santos e Mario Marcio Felix Freitas Filho. A idade média no cinema: uma (re)visão do imaginário ocidental. In: Revista ComparArte. Rio de Janeiro V. 1, nº 1, 2017, pp. 142-150.

SHREK: The movie. Direção: Andrew Adamson; Vicky Jenson. Produção de Aron Warner; John H. Williams & Jeffrey Katzenberg. Estados Unidos: DreamWorks Pictures, 2001. Disponível em: < https://www.netflix.com/search?q=sh&jbv=60020686&jbp=2&jbr=0 >. Acesso em: 30/08/2017.

SHERK: The third. Trad. Shrek: O terceiro. Direção: Chris Miller. Produção de Aron Warner. Estados Unidos: Paramount Pictures, 2007. Disponível em: < https://www.netflix.com/search?q=sh&jbv=70047102&jbp=1&jbr=1 >. Acesso em: 30/08/2017.

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* Graduanda em Licenciatura em História pela Universidade Federal de Campina Grande.

[1] Disponível em < http://origemdapalavra.com.br/site/palavras/imaginario/ >. Acesso em 12 de agosto de 2017.

[2] Disponível em < http://revistagalileu.globo.com/Revista/Galileu/0,,EDR77411-7946,00.html >. Acesso em 19/08/2017.

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