top of page
Foto do escritorMichell Ricarte

O que é o Sumário das Armadas?

Atualizado: 6 de jul. de 2020

Olá, hoje falaremos do Sumário das Armadas, a “Carta de Caminha da História da Paraíba”! Veremos o porquê disso[1]. Ao analisar qualquer documento de época, devemos responder a uma série de questões que nos possibilitarão uma boa visão de conjunto para que tal vestígio da atividade humana seja mais bem analisado. Como se chama? Onde se encontra? Quando foi escrito? Por quem? Com que propósitos? O que diz? De início é necessário dizer que nossa análise tratará apenas do capítulo primeiro do documento todo.


O capítulo se chama “Ideia particular destas partes e geral do Brasil”, e o documento em questão é o Sumário das Armadas que se fizeram e das guerras que se deram na conquista do Rio Paraíba”[2]. O original desse documento foi encontrado no arquivo da Torre do Tombo, em Portugal. Tem sua escrita datada da secunda metade do século XVI, mais especificamente por volta do ano de 1583. Em relação à autoria do documento, há muitos debates a seu respeito. Não se sabe ao certo quem o escreveu. Alguns falam no jesuíta Cristóvão de Ganvia, mas, não tendo provas concretas disso, podemos definir como anônima a sua autoria. Dita por alguns como a “carta de fundação da Paraíba”, o documento foi escrito, grosso modo, para apresentar as características gerais da Paraíba nesse período de nossa história colonial e a atuação de portugueses na região. Mas, o que diz o texto?

Imagem: Meramente ilustrativa. Não se trata do Sumário das Armadas.

No começo, o autor faz uma série de análises geográficas do território. Falando do rio Paraíba, por exemplo, chega a citar inclusive a sua limpeza. Apresenta algumas características da região ao norte do rio e da região mais ao sul. Em relação a esta última, para termos uma ideia, o autor diz “da parte do sul, faz o rio um formato canal, pelo qual acima de 2 léguas podem ir navios de cem tonéis; e outros 3 mais acima grandes caravelões, que é até onde chega a represa da maré” (ANÔNIMO, 2006, p. 22). Notamos aí que quem escreveu já observar também prováveis vias para meios de transporte que poderiam ser aproveitadas.


Enquanto fala da geografia física da rio Paraíba, observa também seu cumprimento e a possibilidade de ali poder caber mais de 40 engenhos de açúcar, por toda a terra ser singular para a cana. O autor tem grandes interesses em mostrar estas possibilidades de exploração econômica da região. Outras possibilidades de usufruto do local seriam os pescados, os mariscos, a lenha, etc. Em relação à terra do Brasil, diz que nem todas são boas para a cana. Elas são mais plantáveis na região das várzeas. Sobre estas várzeas, a região da capitania da Paraíba possui ótimas.


Sobre o sertão, o autor fala da dificuldade de encontrar água. Lugar estéril (e talvez por isto a colonização não é muito voltada ao estabelecimento de grandes engenheiros, mas principalmente, e é isto que faz com que o homem se fixe no sertão, voltada à pecuária, como dizia Wilson Seixas[3]) , mas que produz muita farinha, com a qual o povo faz beiju. Notamos que, para falar dos nativos, ele usa o termo “brasis”. Ciosos (ciumentos) por suas mulheres, eles também são caracterizados como um povo muito ligado à guerra, inclusive guerra de gentil contra gentil. Entre todos estes povos guerreiros, diz o autor, o mais guerreiro do Brasil são os potiguara, que ele chama de petiguares. Eles estão da Paraíba até o Maranhão. Também admira o fato deles andarem nus.


O que notamos aqui é um verdadeiro estranhamento para com “o outro”. “São muito falsos e inclinados a enganos e aleives[4]: e é tão próprio e natural do clima, e terra do Brasil” (ANÔNIMO, 2006, p. 25). Nessa passagem podemos notar que ele faz uso do que no século XIX os estudiosos vão chamar de determinismo geográfico, condicionando aspectos da psicologia dos nativos (“falsos”) como sendo resultado do meio onde eles estão. Nessa terra, não há nem fé, nem lei e nem rei. Faz diversas comparações entre os nativos e o que vem colonizar. Aqui eles não têm reis, ou mesmo califas. As pessoas não tem fé. As práticas religiosas dos povos indígenas são entendidas pelo autor como um ato de comunicação com o próprio Demônio.


Em determinado momento, o autor começa a dar mais ênfase à questão da terra. Diz que não é boa em todos os lugares e que não tem mais que 2 ou 3 palmos de terra boa. Para ele as terras boas estão localizadas em determinados lugares. Chama a atenção para várias várzeas férteis que tem na Paraíba, que caracteriza como sendo a melhor de todos as capitanias de todo o Brasil, por alguns motivos: muitas várzeas férteis, bons rios, e é mais próximo do reino.


“Deixo a ladroeira e a colheita de 20 e 30 naus francesas, que, todos os anos, antes de ser nossa, ali carregavam; tendo suas feitorias sobre si cada nação, fazendo de um ano para o outro a carga cada um para as suas naus, com cuja ajuda os negros potiguares (o maior em número, e, como já disse, o mais guerreiro gentil do Brasil) de 20 anos a esta parte corriam todas as fronteiras de Tamaracá [...]” (ANÔNIMO, 2006, p. 27)

Notamos, a partir deste trecho, aquilo que vem nos dizer Regina Célia Golçalves[5], que muito da colonização da capitania da Paraíba tem a ver com as ameaças de invasão estrangeira, principalmente francesa, ao território, e às alianças que fazem os povos nativos com eles. Então, podemos dizer que este documento é de suma importância para que possamos compreender o processo histórico paraibano à época da colonização, principalmente, talvez, no sentido de observar os interesses econômicos por trás disto e como se dá o contrato e estranhamento de colonizador e povo nativo.

[1] Importante destacar que escrevi esse texto originalmente quando cursei a disciplina de História da Paraíba I, curso de História da UFCG. [2] ANÔNIMO. Capítulo I, Ideia particular destas partes e geral do Brasil. In:_________História da Conquista da Paraíba, Brasília: Edições do Senado Federal, 2006, págs: 21-29. [3] SEIXAS, Wilson. Pesquisas para a História do Sertão da Paraíba. In: RIHDP. Nº 21, 1975, págs: 51-104. [4] Podemos dizer que “aleive” é como “calúnia”. Ele chama os índios de caluniosos.

[5] GONÇALVES, Regina Célia. Guerra e açúcar: a formação da elite política na capitania da Paraíba (século VVI e XVII). In: OLIVEIRA, Carla Mary S & MEDEIROS, Ricardo Pinto De Cordão. Novos olhares sobre a capitania no Norte do Estado do Brasil. João Pessoa: EDUFPB, 2007, págs 23-27.

21 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page