"Memórias Póstumas de Brás Cubas" (1881), de Machado de Assis, é considerada a maior obra brasileira de todos os tempos por alguns críticos literários
No dia dois de junho a Editora Penguin lançou nos Estados Unidos uma nova edição da obra “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis, e para surpresa de todos, ela se esgotou em apenas um dia! Flora Thomson-DeVeaux, a tradutora desta edição, comentou no Twitter “Eu sei perfeitamente que é um momento estranho para celebrar o lançamento de um livro [em referência aos protestos contra o racismo nos EUA e ao movimento #BlackLivesMatter]. Mas eu não teria dedicado anos da minha vida a traduzir este aqui se não estivesse convencida de que é um romance eterno.”
A tradutora comenta que “Memórias Póstumas de Brás Cubas é uma obra de seu tempo, mas, de maneiras que dão crédito a Machado e tiram créditos de nós, também é uma obra de nosso tempo. Há ecos — troque a febre amarela por covid. E há continuidade — racismo sistêmico, tão pungente hoje quanto era na década de 1880.” O lançamento também foi muito simbólico quando pensamos que Machado de Assis, um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos (senão o maior), era negro.
O livro foi vendido na Amazon e na livraria Bannes & Noble, porém em apenas um dia ela se esgotou — o que faz de Memórias Póstumas de Brás Cubas a obra de literatura latino-americana mais vendida do momento (e quinta na categoria de realismo mágico). Com a publicação de uma parte do prefácio na revista New Yorker, de autoria de David Eggers, com o título “Redescobrindo um dos livros mais espirituosos já escritos”, houve um aumento na procura pela obra.
A primeira tradução de Memórias Póstumas de Brás Cubas para o inglês foi feita em 1950 e nela continha um prefácio assinado pela escritora, crítica de arte e ativista dos EUA Susan Sontag. Nele ela afirmou que Machado de Assis é “o melhor autor da América Latina.” O professor e crítico literário Harold Bloom declarou que o autor brasileiro é “o maior escritor negro de todos os tempos” e o poeta estadunidense Allen Ginsberg afirmou que Machado de Assis é outro Kafka.
Thomson-DeVeaux comentou sobre as dificuldades e os desafios durante os trabalhos com a obra, como por exemplo, de traduzir algumas palavras, lugares e expressões brasileiras incomuns aos falantes da língua inglesa. Devido a isso, a nova edição contém várias notas de rodapé ajudando o leitor estadunidense a entender melhor o contexto da obra e um pouco do português brasileiro. Entre as notas está uma fala do cunhado de Machado de Assis, dita ao autor após o “tímido” lançamento de Memórias Póstumas em 1881: “E se a maioria do público leitor não entendeu o seu último livro? Há vários livros que são para todos, e livro que são para poucos — o seu é do segundo tipo, e eu sei que ele foi apreciado por aqueles que o entenderam — além disso, como você sabe bem, os melhores livros não são aqueles que estão mais em voga”.
Romance fundador do movimento realista no Brasil, Memórias Póstumas de Brás Cubas é uma das obras literárias mais amadas pelos leitores brasileiros, embora assombre e atormente alguns alunos de ensino médio. Por ser uma leitura obrigatória nas escolas e ter uma linguagem não tão amigável aos adolescentes de 16/17 anos, a leitura acaba sendo monótona e faz muitos alunos ter ranço e repulsa pelos romances clássicos. Contudo, ler Machado de Assis e outros clássicos sem cobrança é muito enriquecedor.
Publicado há quase 140 anos, Memórias Póstumas Brás Cubas possui um narrador que decide contar sua vida depois de morto e ao mesmo tempo mostra detalhes da sociedade brasileira do final do século XIX, explora algumas angústias humanas e expõe de forma irônica os privilégios da elite da época. Filho de escravos alforriados, Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908) foi apelidado de Bruxo do Cosme Velho por residir no bairro carioca do Cosme Velho, e por certa vez ter sido visto queimando cartas num caldeirão em sua residência. Machado de Assis foi um intelectual que escreveu em quase todos os gêneros literários, e presenciou a abolição da escravatura e a proclamação da República no Brasil.
O sucesso de obras desse calibre na gringa mostra aos brasileiros que o nosso país também possui grandes autores e uma literatura riquíssima. Agora esperamos que outras obras do bruxo, como "Dom Casmurro', “O Alienista”, “A Cartomante” e de outros autores brasileiros sejam traduzidas para o inglês e outros idiomas.
Comments