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Ervas, animais e doenças são temas para a história?

Uma leitura de: Imperialismo ecológico: a expansão biológica da Europa 900-1900


As questões socioambientais ganharam um grande impulso nas discussões acadêmicas, principalmente no final do século XX e início do século XXI. É neste cenário que a obra de Alfred W. Crosby, Imperialismo Ecológico: a expansão biológica da Europa 900-1900, ressurge, no ano de 2011. Publicado primeiramente no ano de 1986, nos Estados Unidos, aqui no Brasil o livro foi pela Editora Companhia das Letras, em 2011, e em uma versão de bolso, fruto de uma tradução da primeira reimpressão, que data de 1991.


De uma forma geral, a obra de Alfred W. Crosby problematiza o processo de expansão das populações europeias, principalmente por volta dos anos 900 a 1900, porém, sem perder de vista um recorte temporal mais longínquo. O foco de sua discussão concentra-se na invasão biológica lançada pelas levas europeias em outras regiões do planeta, as quais constituíram aquilo que denominou-se de biota portátil - um conceito que podemos pronunciar como o conjunto de animais, plantas e doenças que navegaram com os europeus efetivando projetos de colonização e dominação de novas terras.


Crosby impõe um lugar protagonista à biota portátil, sendo ela responsável por expulsar, ou até mesmo eliminar, a flora, a fauna e os habitantes nativos de distintas regiões do mundo, dando origem às “Neoeuropas”, ou seja, Austrália, Nova Zelândia e América.


Para tal reflexão, sua obra foi dividida em doze capítulos, ao longo dos quais Crosby passeia da Pangeia, há aproximadamente 180 milhões de anos, até 1900. Segundo ele, neste período, as Neoeuropas já estão constituídas e, por sua vez, são responsáveis pelo abastecimento mundial de alimentos. Estão todas situadas em latitudes similares, em zonas temperadas dos hemisférios norte e sul, e possuindo, a grosso modo, o mesmo clima.


Como introdução, Crosby lança explicações para delimitar seu tema, partindo de uma preocupação central: entender as razões que levaram os europeus, e seus descendentes, a estarem distribuídos por toda a extensão do globo.


Ler seu texto é surpreendente a medida que vamos percebendo que espécies hoje tomadas enquanto nativas foram em outros tempos, introduzidas consciente ou inconscientemente por migrações humanas, significando assim que os sujeitos humanos participam de um processo relacional com a natureza.


Nesse sentido, atravessar a leitura de Crosby, observando suas pertinentes analises em cada capítulo nos faz a cada momento pensar em outros trabalhos parecidos - mas nunca iguais - como a obra de Simon Schama, Paisagem e memória (1996), no qual, segundo o autor,

antes mesmo de estarmos lidando com uma natureza, estamos lidando com uma paisagem, ou seja, olhares que foram lançados sobre a natureza e que, de alguma maneira, instituem significados para esses espaços.

É um dialogo invisível, Schama instiga a perceber a natureza não apenas por olhares da botânica ou dos biólogos, mas sim a partir dos usos e das representações presentes no imaginário dos seres humanos. Para o autor, é necessário redescobrir o que já possuímos, mas que, de alguma forma, escapa-nos ao reconhecimento e à apreciação. Através desta concepção, é possível estar atento à riqueza, à antiguidade e à complexidade da tradição paisagística com relação aos modos de ver a natureza.


Porém, temos que ter certa cautela com algumas impressões do autor ao longo de sua obra. O historiador e professor Rudy Nick Vencatto faz um alerta importante para a leitura de Imperialismo Ecológico:

De certa forma, imperialismo ecológico, de Alfred Crosby, possibilita lançar olhares para outros elementos que também são significativos na compreensão dos processos de expansão e colonização difundidos pelo globo. Porém, faz-se necessário, ao longo do texto, estar atento para não naturalizar estas ações humanas, as quais, no discurso do autor, ganham uma imparcialidade perante os agentes naturais. Olhar para as modificações impulsionadas pelas navegações significa não perder de vista os agentes políticos, econômicos e sociais presentes neste processo.

Essas e outras críticas feitas a tese de Crosby são igualmente válidas, pois, à medida em que o tempo vai se desenrolando, outros pesquisadores - que não só historiadores - contribuem cada vez mais para o debate estimulado por Alfred Crosby. O potencial de seu trabalho é justamente o fato de que, hoje, ele lança estímulos e sem dúvida abriu possibilidades em diversas áreas de estudo: biologia, geografia e história, por exemplo.


Para nós, historiadores e historiadoras, talvez a questão não seja mais a pergunta - "erva, animais e doenças são temas para a história?". Mas sim, está na hora de nos perguntarmos: porque esses temas não estão sendo, na maioria das vezes, levados em consideração?


Capa do livro "Imperialismo Ecológico", de Alfred W. Crosby

Referências:

CROSBY, Alfred W. Imperialismo ecológico: a expansão biológica da Europa, 900-1900. Tradução: José Augusto Ribeiro, Carlos Afonso Malferrari. São Paulo: Companhia da Letras, 2011.

VENCATTO, Rudy Nick. Resenha de Imperialismo ecológico: a expansão biológica da Europa, 900-1900. Anos 90, Porto Alegre, v. 20, n. 37, p. 331-338, jul. 2013.

 
 
 

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