Karolliny Joally das Neves Miranda[1]
RESUMO: As transformações ocorridas em nossa sociedade têm gerado discussões, questionamentos e reflexões acerca do espaço ocupado e do papel desempenhado pelas mulheres. Dessa maneira, a pesquisa em questão possui como objetivo realizar análises e comparações entre o feminino das antigas sociedades: egípcia e mesopotâmica, a fim de melhor compreender os espaços que eram conferidos as mulheres dessas sociedades. Para tanto, a metodologia utilizada consistiu na leitura, investigação, discussão e relação de fontes como O código de Hammurabi e do livro II da obra Histórias do historiador Heródoto, bem como de bibliografias as quais A mulher no tempo dos Faraós da egiptóloga francesa Christiane Noblecourt e Fatos e Mitos do Antigo Egito da brasileira Margaret Bakos. Concluímos que em determinadas situações as mulheres tanto da sociedade egípcia quanto da sociedade mesopotâmica eram tratadas de maneira parecida e em outras o tratamento era totalmente diferente; para mais, esperamos ter contribuído de maneira significativa nos estudos relacionados ao feminino das antigas sociedades, os quais muitas vezes são dificultados pelo acesso às fontes e pouco material produzido a respeito.
Palavras-chave: Mulher; Comparações; Sociedade egípcia; Sociedade mesopotâmica.
Introdução
As transformações ocorridas em nossa sociedade, contribuídas em parte pelo debate proposto pelo movimento feminista, surgido na segunda metade do século XX, invenção da pílula anticoncepcional, produção intelectual acerca do feminino, entre outros fatores, têm gerado discussões, questionamentos e reflexões acerca do espaço ocupado e do papel desempenhado pelas mulheres.
Com o intuito de desconstruirmos determinados padrões e concepções referentes às mulheres, bem como a reafirmação de nossas recentes e importantes conquistas, muitas vezes realizamos comparações entre as funções desempenhadas pelas mulheres em diferentes sociedades ao longo da história. De acordo com essas comparações, que são inevitáveis, que funções eram conferidas e como eram tratadas as mulheres de antigas sociedades hoje ditas orientais? Será que em relação a suas contemporâneas ocidentais - as gregas – elas gozavam de certa liberdade e autonomia?
No livro Euterpe[2], em um parágrafo no qual Heródoto descreve alguns aspectos relacionados às relações de gênero presentes no antigo Egito, nos deparamos com a seguinte afirmação feita pelo viajante:
Da mesma forma que o Egito tem um clima peculiar e seu rio é diferente por sua natureza de todos os outros rios, todos os seus costumes e instituições são geralmente diferentes dos costumes e instituições dos outros homens (HERÓDOTO, 1988, p. 99).
Embora os escritos do autor reflitam as concepções de mundo de um homem grego e sejam, sobretudo, destinados aos gregos, podemos principiar uma conjectura acerca do papel social conferido às mulheres egípcias que tanto causaram estranhamento a Heródoto; assim como da mesma maneira ao analisarmos O código de Hammurabi[3], por mais que ele tenha sido redigido para os homens livres - awilum – da sociedade babilônica, podemos depreender a partir de sua leitura assuntos e questões relacionadas à maneira como as mulheres da Mesopotâmia eram tratadas.
Conforme esses fatos, questões e possibilidades, a pesquisa em questão possui como objetivo realizar análises e comparações entre o feminino das antigas sociedades: egípcia e mesopotâmica, a fim de melhor compreender os espaços que eram conferidos as mulheres, suas funções sociais e as formas como eram tratadas, a partir de temas como: casamento, divórcio, adultério, viuvez, entre outros, que puderam ser apreendidos a partir da leitura, investigação, discussão e relação de fontes como as já acima citadas: Euterpe e O cógido de Hammurabi, e das bibliografias: A mulher no tempo dos faraós, livro no qual a egiptóloga francesa Christiane Noblecourt analisa e conjectura de maneira bastante positiva o feminino no antigo Egito, fazendo uso de fontes como instruções de sabedoria, contratos de casamento, contos populares egípcios, textos de encantamentos e magia, entre muitas outras; e do estudo da egiptóloga brasileira Margaret Bakos, dedicado em uma parte de seu livro Fatos e Mitos do Antigo Egito ao cotidiano condizente às mulheres dessa sociedade.
Tendo em vista que a cada dia o interesse pelo estudo bem como as produções acadêmicas acerca do feminino vêm sendo aumentadas em função das transformações ocorridas em nossas construções sociais, o artigo busca contribuir e fomentar os debates e as discussões no que se refere às mulheres e corresponder aos interesses daqueles que procuram compreender um pouco mais sobre as mulheres dessas sociedades, as quais muitas vezes são ofuscadas pela grandiosidade das pirâmides ou dos zigurates, ou até mesmo pela percepção androcentrista da história.
CASAMENTO: OFICIALIZAÇÃO E DOTE
O casamento como sendo uma construção social pode nos revelar muitos aspectos acerca da sociedade que o concebe e o realiza. A partir da análise e do estudo feito pela egíptóloga Christiane Noblecourt, sabe-se que a moça da antiga sociedade egípcia possuía relativa liberdade para escolher seu futuro marido, contudo, a aprovação para o casamento ficava sob a decisão de seu pai. O casamento para esta sociedade representava o consentimento pessoal entre duas pessoas livres, não fazendo necessário nenhuma lei, documento ou cerimônia responsável por oficializá-lo, sendo sua maior garantia o desejo do novo casal em manter uma família em segurança e gerar inúmeros filhos; para isso, bastava apenas que os parceiros pronunciassem frases do tipo: “eu te faço minha mulher” e “fizeste-me tua mulher” (NOBLECOURT, 1985).
Embora o casamento se efetivasse de maneira bastante simples na sociedade egípcia, sendo apenas comum uma grande festa em celebração ao novo casal, textos pertencentes ao período da XXII dinastia abordam o costume, passível de ser estendido para épocas mais antigas, da escrita de um contrato cuja intenção era a de proteger, a partir do estabelecimento de uma série de garantias, a esposa de um eventual caso de divórcio (NOBLECOURT, 1985, p. 247).
Eu te tomei como mulher e te dei (segue-se a lista dos bens). Se eu te repudiar enquanto mulher, seja porque te odeio, seja porque quero outra mulher que não tu, dar-te-ei (lista de doações) e dar-te-ei também um terço do que for adquirido entre nós, a partir de hoje. Os filhos que me destes (portanto, o contrato foi passado algum tempo após a união) e que me darás são os herdeiros de tudo o que possuo ou possa possuir (apud NOBLECOURT, 1985, p. 248).
No contrato acima, além do marido oferecer providências a sua esposa caso viesse a se separar dela, oferece também garantias para os herdeiros da relação. Esse tipo de documento era totalmente independente do ato do casamento, tanto que evidenciamos no texto que ele foi escrito após o matrimônio, sendo comum serem redigidos após o período de sete anos de união. Além de ter sido um meio de resguardar o sustento e o conforto da mulher, o contrato de casamento simboliza a independência e a segurança de que desfrutavam as mulheres da antiga sociedade egípcia (NOBLECOURT, 1985, p. 247).
Em contraste com a sociedade egípcia, o casamento na sociedade mesopotâmica só era firmado a partir do elemento jurídico do contrato escrito. Caso uma mulher se unisse a um homem e este não redigisse o contrato, essa mulher não era considerada uma esposa: “Se um awilum tomou uma esposa e não redigiu o seu contrato, essa mulher não é esposa” (apud BOUZON, 1987, p. 139). Para mais, Emanuel Bouzon, comentador da quarta edição do texto O código de Hammurabi, oferecido pela editora Vozes, ao discutir o artigo 161 do código, afirma que o casamento só era considerado completo quando havia a coabitação dos conjugues - no Egito, embora isso não fosse comum, havia casos em que mesmo casados os conjugues não moravam juntos (NOBLECOURT, 1985, p. 261) - bem como a consumação da relação sexual.
Em ambas as sociedades uma situação importante a ser frisada é a possibilidade que uma mulher livre possuía de unir-se a um escravo: na sociedade egípcia nos deparamos com o caso de um homem que libertou um de seus escravos, prisioneiro núbio, a fim de que ele se casasse com a filha de sua irmã, além disso, lhe legou o título de barbeiro, herança da família (NOBLECOURT, 1985, p. 224); já na sociedade mesopotâmica, embora uma mulher pudesse se casar com um escravo, este não era liberto em função do casamento, sendo assim, O código de Hammurabi resguarda os filhos deste tipo de união:
Se um escravo de um palácio ou um escravo de um muskênum tomou por esposa a filha de um awilum e ela lhe gerou filhos, o dono do escravo não poderá reivindicar para a escravidão os filhos da filha de um awilum (apud BOUZON, 1987, p. 168).
Apesar da proteção oferecida pela lei aos filhos de uma awilum[4], frutos da relação com um escravo, o código determinava que em caso de morte de seu marido -escravo - tudo aquilo que ela havia adquirido em união com ele deveria ser dividido em duas partes, sendo uma delas destinada àquele que havia sido o dono de seu falecido marido (apud BOUZON, 1987, p. 169).
No que se refere a questões que poderíamos classificar como uma espécie de dote, na antiga sociedade egípcia o pai deveria fornecer à sua filha, que iria se casar, objetos e utensílios a fim de que esta se estabelecesse na casa de seu futuro marido, além de se comprometer em fornecer para o novo casal uma quantidade de cereais durante um período de sete anos (NOBLECOURT, 1985, pp. 250-251); ficando a cargo da parte da mulher dessa sociedade em contribuir com 1/3 dos bens que firmariam, em termos materiais, o novo lar (BAKOS, 1994, p. 43).
A partir de alguns artigos do código de Hammurabi, como, por exemplo, o artigo 162, que aborda a situação de quem deveria deter a posse do dote em caso de morte da esposa, esta tendo gerado filhos para o marido: “Se um awilum tomou uma mulher como esposa e ela lhe gerou filhos e (depois) essa mulher morreu, seu pai não poderá reclamar o dote, seu dote é de seus filhos”, apreende-se o fato de ser necessário para as mulheres da sociedade mesopotâmica o oferecimento do dote para que se realizasse o casamento.
ADULTÉRIO: A GRANDE FALTA COMETIDA POR UMA MULHER
A legislação hammurabiana dedica uma relevante quantidade de artigos a fim de estabelecer as cabíveis penalidades para as mulheres que viessem a cometer o crime de adultério. Na sociedade mesopotâmica, caso um marido acusasse sua esposa de ter cometido adultério, contudo não apresentasse provas que o comprovassem, ficava a cargo da mulher provar a sua inocência pronunciando um juramento diante do deus da cidade (apud BOUZON, 1987, p. 141).
O código também determina: “Se contra a esposa de um awilum foi apontado o dedo por causa de outro homem, mas ela não foi surpreendida dormindo com um outro homem, para o seu marido ela mergulhará no rio” (apud BOUZON, 1987, p. 141), dessa maneira, se uma mulher viesse a ser acusada por crime de adultério, todavia não tivesse sido pega em flagrante juntamente com o seu amante, o elemento da natureza, nesse caso o rio, que de acordo com as crenças mesopotâmicas era o canal de comunicação entre deuses e homens, era o responsável pelo veredito final: se a mulher, ao ser lançada ao rio, morresse afogada, era tida como culpada, caso contrário, ela sobrevivesse, era tida como inocente.
Já o artigo de número 153 do código de Hammurabi, designa que uma mulher deve ser morta por empalação - ter uma lança atravessada do ânus à boca – caso tivesse planejado junto ao amante a morte de seu marido: “Se a esposa de um awilum, por causa de um outro homem, fez matar o seu marido, essa mulher será empalada” (apud BOUZON, 1987, p. 154).
Para a antiga sociedade egípcia o adultério era considerado a falta mais grave que podia ser cometida por uma mulher, qualificado como “o grande crime”. Em comparação com a sociedade mesopotâmica, a mulher egípcia também podia passar pela situação de ser acusada por adultério pelo seu marido, nesse caso, ela também recorria ao juramento, pronunciado na presença de testemunhas. Todavia, caso nada acontecesse à mulher acusada - os egípcios acreditavam que um falso juramento era punido com a cegueira - seu marido deveria lhe restituir um valor financeiro como indenização (NOBLECOURT, 1985, p. 253).
No antigo Egito, o adultério, pelo menos na teoria, era totalmente intolerável, em alguns textos tendo por condenação a morte “pelo crocodilo”, em outros sendo alegada como pena a castração do amante e no caso da esposa infiel ter o seu nariz cortado (NOBLECOURT, 1985); ou ainda, segundo as palavras de Heródoto, o caso do faraó Ferós, o qual queimou simultaneamente várias mulheres adulteras:
Após dez anos de cegueira um oráculo da cidade de Buto lhe declarou [...] que ele deveria recuperar a visão lavando os olhos com a urina de uma mulher que nunca tivesse tido relações sexuais com qualquer outro homem além de seu marido. Ferós fez uma primeira tentativa com sua própria mulher; como não ficasse curado, tentou com todas as mulheres, uma depois da outra. Finalmente curado, ele juntou todas as mulheres com cuja urina havia feito tentativas [...] levou-as para uma cidade [...] pondo-as todas lá ele as queimou simultaneamente com a cidade (HERÓDOTO, 1988, p. 121).
Porém, na prática, estima-se que essa realidade não era a mesma. Muitas vezes a esposa infiel alegava ter sido seduzida, assim, nem sempre o marido traído lhe prestava queixa, e nem mesmo os tribunais davam provas de grande rigidez, em alguns casos exigindo apenas um juramento por parte do amante, a fim de que ele não reincidisse no ato. O sábio Anksheshonq, por exemplo, chega a aconselhar ao marido traído que simplesmente se divorcie da esposa infiel e procure outra mulher, além do mais, sugere ao marido traído que se pergunte se o ato ocorreu em virtude de sua falta de atenção e de cuidado para com a esposa (NOBLECOURT, 1985).
SITUAÇÕES DE DIVÓRCIO
Além do adultério, outras questões punham em risco a estabilidade do casamento nessas antigas sociedades orientais. Na antiga sociedade egípcia, além do adultério, as principais causas de divórcio eram: caso um dos conjugues viesse a se apaixonar por outra pessoa, adversidades temperamentais e a esterilidade. Os maridos, todavia, eram aconselhados a não se separarem pelo motivo de infertilidade da esposa, tomando como solução a adoção de crianças. (NOBLECOURT, 1985, pp. 254-255).
Assim como o casamento, o divórcio no antigo Egito era tratado na esfera privada, ou seja, não era necessária nenhuma intervenção administrativa, legislativa ou religiosa, bastando apenas que um dos membros do casal repudiasse o outro oralmente. Em alguns casos, ocorria que o marido enviava a sua ex-esposa, mesmo após o repúdio, um documento reafirmando a separação (NOBLECOURT, 1985, pp. 256-257).
Mulheres que provinham de um casamento cujo marido possuía boas condições sociais, e que eram repudiadas sem motivos plausíveis, deveriam receber os valores do “presente da noiva” [5]e da “penalidade de divórcio” [6], os seus bens pessoais (ou seu valor), meios para prover a sua alimentação e parte do patrimônio pessoal de seu ex-marido - em alguns casos ocorriam de receber a totalidade (NOBLECOURT, 1985, p. 256).
Em determinadas circunstâncias, ocorria que a mulher, mesmo após o divórcio, continuava morando na casa de seu ex-marido, em outras, caso o marido solicitasse a separação, contudo não possuísse meios para arcar com as obrigações financeiras, ele deveria garantir o sustento da ex-esposa (NOBLECOURT, 1985, p. 256). Havia também situações em que o ex-marido não possuía nenhuma condição para sustentar a sua ex-mulher, ficando sob a responsabilidade da família desta o fornecimento de sua alimentação (NOBLECOURT, 1985, p. 250).
Nos raros casos em que a mulher decidia se divorciar do marido, este recebia metade do valor do “presente da mulher” e detinha dois terços do patrimônio adquirido em união com a esposa (NOBLECOURT, 1985, p. 257). Para a mulher da sociedade mesopotâmica que pretendia se divorciar de seu marido, a legislação hammurabiana estabelece:
Se uma mulher tomou aversão a seu esposo e disse-lhe: “Tu não terás relações comigo”, seu caso será examinado em seu distrito. Se ela se guarda e não tem falta e o seu marido é um saidor e a despreza muito, essa mulher não tem culpa, ela tomará seu dote e irá para a casa de seu pai (apud BOUZON, 1987, p. 148).
De acordo com o artigo acima citado, a mulher a qual desejava se separar do marido só podia realmente fazê-lo se ficasse comprovado de que ela era uma boa esposa, entretanto seu marido negligenciava-a. Porém, se ficasse provado o contrário, em caso da esposa ser descuidada e impaciente com o seu marido e estando frequentemente fora de casa, essa mulher era condenada à morte por afogamento (apud BOUZON, 1987, p. 148).
Existiam também os casos em que era comprovado que a esposa, a qual pretendia o divórcio, furtava bens e quantias de seu marido, o tratava com desprezo e gastava demasiadamente, ou seja, denegria financeiramente e moralmente o seu marido, nesses casos, este possuía todo o direito de repudiá-la, sem ao menos lhe restituir uma indenização. Caso ele não quisesse repudiá-la, essa mulher se tornava sua escrava e ele podia casar-se com outra (apud BOUZON, 1987, p. 147).
Se acontecesse de uma mulher casada ter sido acometida por uma determinada doença, estima-se que se tratava de algum tipo de febre contagiosa, seu marido possuía o direito de divorciar-se dela e de casar-se com outra mulher, contudo, o código dava garantias à ex-mulher, que podia permanecer na casa de seu ex-marido, sendo sustentada por ele enquanto vivesse (apud BOUZON, 1987, p. 151). Caso ela não desejasse viver na casa de seu ex-marido, o artigo de número 149 determinava: “Se essa mulher não concordou em morar na casa de seu marido, ele lhe restituirá, integralmente, o dote que ela trouxe da casa de seu pai e ela irá embora” (apud BOUZON, 1987, p. 151).
Em situações nas quais o motivo do divórcio pretendido pelo marido estava relacionado à esterilidade da mulher, a separação era permitida pelo código de Hammurabi, devendo a mulher repudiada receber de seu ex-marido uma compensação financeira juntamente com o valor de seu dote (apud BOUZON, 1987, p. 145). Se, nesses casos de divórcio, o marido pertencesse à classe muskênum[7], a legislação hammurabiana estabelecia, por meio do artigo 140, que ele pagasse à sua esposa apenas 1/3 de uma mina de prata para que a separação fosse realizada.
Os casos especiais de divórcio, tratados pelo artigo de número 137, são aqueles em que a esposa se trata de uma sacerdotisa, nos quais ela possuía direito de receber o valor de seu dote, parte da propriedade e dos bens de seu ex-marido, e prover a educação dos filhos. Além disso, após seus filhos terem sido educados, ela recebia uma parte igual da herança recebida por cada um deles, podendo se casar novamente (apud BOUZON, 1987, p. 144).
A CONDIÇÃO DAS MULHERES VIÚVAS
Às viúvas da antiga sociedade mesopotâmica, a legislação hammurabiana lhes assegurava como sustento a devolução do valor do dote e a pose do presente nupcial, este tendo sido devidamente documentado pelo marido antes de sua morte, bem como o direito de permanecer morando na casa de seu falecido esposo. Todavia, mesmo dispondo desses recursos para o seu usufruto, à viúva não era permitida a sua venda, uma vez que eles, de acordo com o artigo de número 171b, eram herança de seus filhos (apud BOUZON, 1987, p. 166).
Caso uma viúva pretendesse deixar a casa de seu falecido marido para adquirir um novo casamento, ela poderia levar o valor de seu dote, deixando o presente nupcial para os filhos da primeira relação. Podia acontecer de seu falecido marido não ter lhe destinado, em vida, o presente nupcial; para esse tipo de situação, o artigo de número 172 do código de Hammurabi determina que esta mulher, assim como um herdeiro, deve receber parte dos bens da casa (apud BOUZON, 1987, pp. 166-167).
Como já sabemos, as viúvas da sociedade mesopotâmica possuíam o direito de se casarem novamente, contudo, se os filhos do casamento anterior fossem menores de idade, a permissão para o novo casamento ficava sob a decisão dos juízes, que iriam avaliar as condições materiais nas quais vivia esta mulher e seus filhos, produzindo, a partir dessa avaliação, um inventário dos bens. Só assim a nova união era permitida, devendo a mulher juntamente com o seu novo marido se responsabilizarem, por meio da assinatura de um documento, dos bens inventariados, que eram proibidos de serem vendidos, uma vez que pertenciam aos filhos da relação anterior, como também do cuidado da casa e da educação dos filhos (apud BOUZON, 1987, pp. 170-171).
Diferentemente da sociedade mesopotâmica, na qual depreendemos que os filhos muitas vezes maltratavam suas mães viúvas na tentativa de que elas abandonassem a casa de seu falecido marido (apud BOUZON, 1987, p. 166), o filho de uma mulher recém viúva da sociedade egípcia muitas vezes insistia para que sua mãe passasse uma temporada em sua casa, sob seus cuidados (NOBLECOURT, 1985, p. 311).
A viúva egípcia possuía total liberdade e autonomia para gerir os seus próprios bens e de permanecer na luxuosa casa de seu falecido esposo. Por ser mãe e devido a sua nova condição de viúva, a egípcia era cercada de cuidados e proteção (NOBLECOURT, 1985, p. 311), estes sendo bastante freqüentes nos textos de sabedoria e de moral do antigo Egito:
Eu dei de beber a quem tinha sede,/ Alimentei quem tinha fome,/ Protegi a viúva,/ Vesti o órfão,/ Fiz atravessar o Nilo/Àquele que não tinha barco (apud NOBLECOURT, 1985, p. 316).
CONCLUSÕES:
O estudo e a análise das condições femininas da sociedade egípcia e da sociedade mesopotâmica nos permitem afirmar que em determinadas situações as mulheres eram tratadas de maneira parecida e em outras o tratamento era totalmente diferente. Na sociedade egípcia, por exemplo, evidencia-se a liberdade que a moça possuía para escolher seu futuro marido, além do contrato de casamento que era redigido com a finalidade de protegê-la e de garantir o seu sustento em caso de divórcio.
Enquanto que na antiga sociedade egípcia o casamento era efetuado na esfera privada, se tratando de um consentimento mútuo entre duas pessoas, na sociedade mesopotâmica o elemento jurídico era fundamental para a oficialização do casamento, contudo, em ambas as sociedades, salva suas especificidades, notamos que as mulheres possuíam a possibilidade de se casarem com um homem que se encontrava na condição de escravo.
Tanto na sociedade mesopotâmica quanto na sociedade egípcia, ainda que nesta a prática fosse completamente diferente da teoria, o adultério era considerado a falta mais grave que podia ser cometida por uma mulher, cuja pena poderia, em diversos casos, consistir na morte da esposa infiel. A partir da questão do adultério, podemos também evidenciar a importância que os juramentos possuíam para essas sociedades, funcionando como alternativas utilizadas pelo poder jurídico a fim de solucionar casos, nos quais os juramentos muitas vezes eram decisivos.
No antigo Egito, embora fossem poucos os casos em que a mulher solicitava o divórcio, este se realizava sem empecilhos, já na sociedade mesopotâmica, os casos em que a separação era solicitada pela esposa deveriam ser avaliados pela justiça, que analisava o comportamento dos conjugues, para só então ser concedido o direito de divórcio à mulher.
Também é importante ressaltar o relativo resguardo que era destinado às mulheres que viessem a sofrer pela esterilidade. Na sociedade egípcia, era aconselhado ao marido que ele não se separasse de sua esposa infértil, recorrendo à alternativa da adoção de crianças; a mulher estéril da sociedade mesopotâmica possuía garantias oferecidas pela lei, caso o marido a repudiasse.
Outra divergência presente nas duas sociedades está relacionada ao tratamento das mulheres viúvas. Enquanto que na sociedade mesopotâmica as viúvas não eram permitidas de gerir os seus bens livremente, os quais eram considerados, de acordo com a lei, herança e propriedade de seus filhos, além de serem estas mulheres muitas vezes maltratadas por aqueles devido a questões de interesse, as viúvas egípcias possuíam ilimitada autonomia perante seus bens e eram protegidas por toda a sociedade. Ainda que à viúva da sociedade mesopotâmica houvesse a possibilidade dela adquirir um novo casamento, este, em diversos casos, era delimitado pela justiça.
Com as informações notabilizadas pela pesquisa em questão, esperamos ter contribuído de maneira significativa nos estudos relacionados ao feminino, principalmente das antigas sociedades, os quais muitas vezes são dificultados pelo acesso às fontes e pouco material produzido a respeito, mas que isso possa vir a se tornar um incentivo para a eventual pesquisa. Além disso, sugerimos o interesse e o empenho para que futuras pesquisas também venham a abordar a temática dos papeis e das funções sociais desempenhadas pelas mulheres ao longo da história.
REFERÊNCIAS:
BOUZON, Emanuel. O código de Hammurabi, 4a.ed., Petrópolis: Vozes,1987.
HERÔDOTOS, História. Trad.: Mário da Gama Kury, Brasília: UnB, 1988.
BAKOS, Margaret Marchiori. Fatos e mitos do antigo Egito, Porto Alegre: EDIPUCRS, 1994.
NOBLECOURT, Christiane Desroches. A mulher no tempo dos faraós. Campinas-SP: Papirus, 1994.
____________________
[1] Graduanda do 1° período de Licenciatura em História pela Universidade Federal de Campina Grande.
[2] Livro presente na obra Histórias, no qual Heródoto escreve acerca da região e da cultura egípcia.
[3] Um dos conjuntos de leis mais antigos da história, escrito no século XVIII a.C.
[4] Nome que se refere tanto aos homens quanto às mulheres livres da sociedade babilônica, cidadãos em pleno uso de seus direitos.
[5] Tipo de contrato de casamento que continha o valor da contribuição do marido para o estabelecimento do casamento e que oferecia garantias à esposa em caso de divórcio.
[6] Valor que correspondia à indenização paga a esposa repudiada.
[7] De acordo com O Código de Hammurabi, esta classe era a intermediária entre as pessoas livres e as escravas da sociedade babilônica.
Comentários