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Os aniversários do golpe e as reações ao negacionismo

Atualizado: 17 de mai. de 2020

Os aniversários do golpe de 64 – que a memória militar consagrou ao dia 31 de março – sempre são oportunidades para refletir sobre a história recente do país e também suscitam muitos debates públicos. As datas redondas geralmente são mais badaladas e geram uma mobilização maior entre historiadores e setores da imprensa. Mas cada lustro – ou período de 5 anos – também pode ganhar maior ou menor destaque de acordo com a conjuntura política.


Os 55 anos do golpe – celebrados no ano passado – coincidiram com a ascensão de uma direita de inspiração militar ao poder. Empossado em janeiro de 2019, o governo Jair Bolsonaro não perderia a oportunidade para retomar as celebrações, canceladas desde o governo Dilma Rousseff.

Começamos esta série de artigos sobre ensino de história da ditadura no Brasil mencionando justamente as manifestações públicas feitas pelas autoridades políticas brasileiras nos dois últimos aniversários do golpe de 64. Neste ano de 2020, com a pandemia de covid-19 e a sucessão de crises políticas, o tema passou quase despercebido.


Mas as declarações do ano passado inauguraram uma espécie de "negacionismo de Estado" ao incorporar algumas ideias difundidas nos subterrâneos da internet ao discurso oficial proferido por autoridades governamentais. Essas declarações tiveram forte reação de historiadores e historiadoras, além de algumas instituições e setores da sociedade.


A reação entre historiadores e historiadoras


No dia 27 de março de 2019, a Associação Nacional de História (ANPUH) publicou uma nota contra as determinações da presidência da República a respeito das comemorações do golpe de 1964. Na nota, a ANPUH conclamou os associados e associadas a promoverem eventos para debater o tema. Em várias instituições de ensino ocorreram palestras, seminários e debates. Especialistas no tema escreveram artigos para a grande imprensa ou concederam entrevistas no intuito de esclarecer o público a respeito das polêmicas históricas envolvendo o golpe de 64 e o regime ditatorial.


No dia 29, o Nexo Jornal publicou uma entrevista com Marcos Napolitano, professor da Universidade de São Paulo, destacando o revisionismo das ditaduras sul-americanas. O historiador vê um sentido ideológico nessa onda revisionista, associando-a ao avanço do conservadorismo e das direitas no continente.


No dia seguinte, a Folha de S. Paulo publicou um texto de Daniel Aarão Reis, professor da Universidade Federal Fluminense. Segundo a manchete, com teor sensacionalista, o historiador rebate os mitos sobre o golpe. De fato, Reis contrapõe alguns argumentos à direita e à esquerda, mas seu propósito central não é tanto esse, mas reafirmar suas próprias teses, enfatizando a complexidade das relações entre ditadura e sociedade.

Boris Fausto concedeu entrevista à edição brasileira do jornal El País, publicada no dia 31 de março. O professor titular da Universidade de São Paulo foi contundente em suas respostas e analisou com preocupação o autoritarismo no Brasil atual.


As reações não pararam por aí e se estenderam pela primeira semana do mês de abril de 2019. No dia 1º, foi a vez de Rodrigo Patto Sá Motta, professor da Universidade Federal de Minas Gerais, ter sua entrevista publicada na agência Pública. Essa entrevista já foi citada em outras ocasiões ao longo desta série sobre ensino de história da ditadura no Brasil.


Dois dias depois, a edição brasileira do jornal Deutsche Welle publicou uma longa matéria da jornalista Clarissa Neher, que consultou os historiadores Bruno Leal (Universidade de Brasília), Thiago Krause (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro), Paulo Pachá (Universidade Federal Fluminense) e as historiadoras Ynaê Lopes dos Santos (Fundação Getúlio Vargas) e Maria Helena Capelato (Universidade de São Paulo) para falarem sobre o negacionismo como arma política.


E, no dia 4, o jornal O Globo ouviu Carlos Fico, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a propósito da fala do então ministro da Educação, Vélez Rodríguez. Outros historiadores e historiadoras também se manifestaram em outros veículos de comunicação ou participaram de debates sobre o tema ao longo de 2019.


Outras reações


Não apenas historiadoras e historiadores reagiram às manifestações de membros da cúpula governamental no ano passado. No dia 26 de março, o Ministério Público Federal divulgou uma nota pública de repúdio às comemorações do golpe de 1964. No mesmo dia, a Defensoria Pública da União pediu à Justiça que proibisse as comemorações por parte das Forças Armadas. No dia 29, uma juíza de Brasília acatou o pedido, mas a decisão foi derrubada no dia seguinte por uma desembargadora a pedido da Advocacia Geral da União.


A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Instituto Vladimir Herzog enviaram denúncia à Organização das Nações Unidas (ONU) contra Jair Bolsonaro pelas recomendações de comemorar o golpe de 64. O diplomata Paulo Sérgio Pinheiro, relator na Comissão de Direitos Humanos da ONU, concedeu uma entrevista à revista Carta Capital, no dia 28 de março, atribuindo as homenagens ao golpe à impunidade que prevaleceu em relação aos crimes do regime militar.


Vários veículos de comunicação e colunistas consagrados publicaram editoriais e artigos manifestando preocupação ou repúdio às pretensões do governo em comemorar o golpe de 64. O negacionismo foi pauta de debates jornalísticos, entrevistas, reportagens e podcasts naquelas semanas.


O assunto voltaria em 2020. Novas declarações de autoridades políticas brasileiras - por ocasião do aniversário do golpe, no dia 31 de março - provocaram mais reações e debates, desta vez sem tanta repercussão, já que o noticiário tem sido dominado pela pandemia de covid-19. Uma das primeiras iniciativas foi novamente da ANPUH, que lançou uma campanha em suas redes sociais para subir a hashtag #ditaduranuncamais.


 

Estes são os sete artigos que compõem a série sobre ensino de história da ditadura no Brasil:


5ª parte – Os aniversários do golpe e as reações ao negacionismo (atual)



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