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Que bom te ver viva (1989), de Lúcia Murat

As mulheres que sobreviveram a tortura, a violência e a guerrilha nos anos 70

“De um lado seria fingir que não houve nada. De outro lado seria como fingir que não se sobreviveu”. In Que bom te ver viva (Lúcia Murat, 1989).

Sobrevivência. É esse o tema do filme-documentário Que bom te ver viva (1989), da cineasta brasileira Lúcia Murat. Por meio dele, Murat tenta entender – e fazer com que seus espectadores entendam –, a partir do depoimento de oito mulheres vítimas de tortura durante os anos de chumbo da ditadura militar brasileira, como foi e é possível sobreviver à experiência traumática e desumana da tortura.


Nesse sentido, é importante ressaltarmos o próprio lugar social da cineasta, ela também uma sobrevivente da tortura e desse passado histórico da ditadura militar. Murat, assim como as oito mulheres que aparecem em seu filme-documentário, se envolveu na militância contra o regime militar, e foi por ele presa e torturada. Sobre isso, podemos alegar que uma das formas encontradas pela cineasta para sobreviver a esse passado tenha sido a produção de documentários e filmes ambientados no período da ditadura militar: além de Que bom te ver viva (1989), Murat também produziu Quase dois irmãos (2004) e A memória que me contam (2013).


É fundamental debater sobre o filme-documentário de Murat por ele recuperar memórias do período da ditadura militar a partir da perspectiva feminina, intercalando assim o tema da tortura com a experiência de gênero. Nesse sentido, é inegável que a tortura é algo desumano, degradante e doloroso para homens e mulheres que a sofreram. No entanto, ela – e a superação dela – é vivida de forma diferenciada pelos dois gêneros. E tal vivência pode ser captada nas falas das oito mulheres que expõem suas memórias em Que bom te ver viva (1989).

Além de produzir um documentário que recupera o passado histórico da ditadura militar a partir de memórias de mulheres que foram torturadas, Murat acrescenta um traço ficcional a sua obra por meio de monólogos interpretados pela atriz Irene Ravache. Por isso que a obra pode ser definida por filme-documentário, uma vez que intercala depoimentos e memórias com a ficção. No filme-documentário, a atriz Irene Ravache interpreta uma ex-guerrilheira, que foi presa e torturada nos anos de chumbo da ditatura, e que agora encara as angústias, as contradições e os dilemas desse seu passado.


No filme-documentário, os monólogos da personagem intercalam e complementam os depoimentos das oito mulheres que sofreram – e sofrem – com o trauma da tortura. Podemos afirmar que a ex-gerrilheira interpretada por Ravache em Que bom te ver viva (1989) procura reafirmar o traço mais humano que o documentário procurar dar a essas vítimas que tanto foram desumanizadas pela tortura. Afinal, elas passaram por experiências traumáticas e correram riscos de vida, mas sobreviveram e continuam vivendo como qualquer outra pessoa. De tal forma, para além de um passado marcado pela resistência à ditadura – ocasionando em prisões, torturas e exílios –, essas mulheres também possuem familiares, empregos e uma casa para cuidar, como qualquer outra mulher.


Nas partes ficcionais do filme-documentário, a ex-guerrilheira interpretada por Irene Ravache vive até então uma vida normal e tranquila, sabendo lidar, dentro do possível, com as lembranças de seu passado de presa política que foi torturada. Dentre as várias torturas sofridas, a personagem também comenta sobre ter sofrido torturas sexuais, que lhes deixaram sequelas pelo corpo. Inclusive, a relação com um corpo violado e marcado pela tortura é explorada pelo filme por meio dessa personagem.


No entanto, todo um passado traumático volta a lhe incomodar, trazendo novamente à tona uma série de dilemas, contradições e constrangimentos, quando sai um depoimento, atribuído como seu, em um jornal de grande circulação. Apesar de não negar o seu passado, ela não tinha dado aquele depoimento. Entretanto, ele foi suficiente para desestabilizar a vida da personagem. A lembrança de seu passado, mesmo promovida de forma mentirosa pelo jornal, a levou a desentendimentos com familiares; foi o motivo para o término de mais um relacionamento; além de ter provocado a sua demissão no trabalho. Além disso, o fantasma do passado novamente lhe angustia e inquieta internamente.


No entanto, apesar de lidar com os dilemas desse passado, o filme-documentário pretende mostrar, por meio da personagem, que ela, assim como qualquer outra pessoa que sobreviveu à tortura durante a ditadura, anseia viver uma vida normal, com todas as suas dores e delícias. Nesse sentido, a personagem interpretada por Ravache não nega o seu passado, nem tampouco tenta esquecê-lo. No entanto, e apesar de tudo, ela deseja viver uma vida normal, sem ser mistificada ou discriminada pelo que passou. Dessa forma, o filme-documentário objetiva mostrar que essa personagem é, assim como qualquer outra vítima da ditadura, uma mulher comum, que, como qualquer outra, possui familiares e amigos, tem de trabalhar e cuidar da casa, e que, apesar de tudo, também gosta de se divertir. Que quer sentir o prazer de viver. O prazer de ser mulher.


Além disso, é por meio dessa personagem que o filme-documentário de Murat faz denúncias a forma como a imprensa liberal – que apesar de ter apoiado o golpe, adora bradar ideais como neutralidade e imparcialidade – trata torturadores e vítimas e à impunidade em que vivem aqueles. Além disso, a personagem vivida por Ravache critica a incapacidade que a sociedade brasileira tem, de modo geral, para lidar com o passado da ditadura militar, sobretudo naquilo que tange à tortura, relegando-o para o esquecimento e cometendo, assim, um ato de injustiça e desrespeito para com as suas vítimas.


E ao lado dos monólogos ficcionais proferidos pela atriz Irene Ravache, Que bom te ver viva (1989) traz, em seus trechos documentais, os depoimentos de oito mulheres que sobreviveram às torturas sofridas durante a ditadura militar. Se trata das memórias de: Maria do Carmo Brito, Estrela Bohadana, Maria Luiza G. da Costa (Pupi), Rosalinda Santos Cruz (Rosa), Criméia de Almeida, Regina Toscano, Jessie Jane, e uma que optou por não se identificar. Seus rostos e dados aparecem no documentário separadamente, após as cenas iniciais com a atriz Irene Ravache.


Todas essas mulheres são ex-militantes de organizações e movimentos de esquerda que se opuseram à ditadura militar e que em certo momento optaram pela luta armada. Todas elas foram presas – algumas por mais de anos – e torturadas ao longo da década de 1970. Em seus depoimentos elas trazem suas experiências de tortura e de como sobreviveram e sobrevivem em meio a tais marcas e lembranças. Todas elas são mulheres da classe média, que após terem sobrevivido à experiência traumática da tortura conseguiram se inserir na sociedade: exercem profissões liberais, vivem nos grandes centros urbanos de São Paulo e Rio de Janeiro, possuem filhos e, algumas delas, maridos. Enfim, procuram viver uma vida nos limites do normal.


O filme-documentário trás os depoimentos das oito mulheres de forma separada. A ordem é a seguinte: Maria do Carmo, Estrela, Pupi, Regina, Rosa, Criméia, a mulher anônima, e Jane. Antes de começarem a falar, seus depoimentos são introduzidos por imagens de jornais da época que tratam dos eventos que cada uma dessas mulheres, de alguma forma, se envolveu: sequestro de embaixadores, ações armadas, “terrorismo” etc. Como já comentado, suas falas são complementadas pelos monólogos ficcionais de Ravache, além de depoimentos de pessoas que convivem com elas e por cenas cotidianas de suas vidas. Dessa forma, é possível vermos ao longo do documentário tais mulheres realizando afazeres domésticos, brincando com os filhos, caminhando nas ruas, frequentando bares, indo ao cinema, dando aulas etc. – mais uma vez, se trata de um recurso utilizado por Murat para dar um aspecto mais humano a essas mulheres.


A primeira a dar depoimento é Maria do Carmo. Seus dados que aparecem no vídeo informam que ela foi integrante da organização Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), que foi presa em 1970 e passou dois meses sendo torturada. Maria foi uma das militantes presas que foi trocada pelo embaixador alemão, partindo, logo em seguida, para o exílio na Argélia, onde permaneceu por dez anos. Na ocasião em que ela concedeu fala para o documentário Maria era casada, tinha dois filhos e trabalhava como educadora.


Da fala de Maria do Carmo, destaco o pacto de morte que ela tinha com o seu marido, também militante. Ambos tinham um acordo de que chegado o momento em que fossem pegos pelos militares, um deveria matar o outro e depois se suicidar. No entanto, quando o casal foi de fato descoberto, Maria quebrou o acordo. Fugindo de perseguição dos militares, viu o seu marido se matar na sua frente.


Maria também comenta sobre uma ocasião em que foi torturada quando estava menstruada. Ela alega que era pendurada no pau de arara enquanto seu sangue escorria e encharcava uma calça que os torturadores a haviam colocado. Depois de passar longas horas ali, pendurada, sangrando e sentindo cólicas, Maria disse que era lançada, pelos torturadores, em um tanque d’água. Retirada do tanque, era novamente pendurada, e o espetáculo se repetia.


Das falas de familiares e amigos de Maria, destaco a de sua mãe, que comenta que a filha sofreu durante muitos anos com alucinações e pesadelos que lhe roubavam as noites de sono. Consequências das torturas sofridas. Entretanto, Maria do Carmo conseguiu sobreviver a tudo isso. E uma das coisas que lhe ajudou a superar o passado foi a maternidade. Ela alega que a maternidade lhe permitiu resgatar a possibilidade de vida, depois de tanta dor e sofrimento. Além disso, ela diz que a maternidade lhe permitiu resgatar a sua feminilidade, tantas vezes estraçalhada pelos seus torturadores.


A segunda mulher a falar é Estrela Bohadona. Seus dados informam que ela foi integrante do Partido Operário Comunista (POC) e que foi presa e torturada em duas ocasiões: a primeira em 1969, no Rio de Janeiro, e a segunda em 1971, em São Paulo. Na época do depoimento Estrela era uma filósofa casada, mãe de dois filhos, um de dez e o outro de 15 anos.


Em seu depoimento, Estrela fala do silêncio que lhe é cobrado de seus filhos. Ela alega que o seu passado, apesar de comover os filhos, os incomoda bastante. Por isso, ambos pedem para que ela procure evitar falar nele. No entanto, Estrela reconhece que esse sentimento de incômodo não é experimentado apenas pelos seus filhos, mas pela sociedade brasileira em geral, que não consegue admitir e reconhecer as vítimas da tortura.


Ela alega que apesar de a sociedade brasileira reconhecer que de fato houve a prática tortura durante a ditadura militar, essa mesma sociedade, no entanto, impõe o silêncio às suas vítimas reais. Sobre isso, Estrela comenta do incômodo e do constrangimento que as pessoas sentem quando ouvem suas memórias. Tais reações fazem com que ela, muitas vezes, opte pelo silêncio.


Das falas de familiares e amigos de Estrela, destaco uma interessantíssima proferida pelo seu marido sobre o sofrimento vivido pela mulher, além disso, palavras que também expõem a delicada e difícil relação entre memória e esquecimento: “De um lado seria fingir que não houve nada. De outro lado seria como fingir que não se sobreviveu”. Ou seja, seu marido alega que o trauma vivido pela mulher não pode ser de todo esquecido, mas também não pode ser constantemente lembrado a tal ponto que impeça que a vida continue. Ele alega que tal equilíbrio entre memória e esquecimento é difícil para quem passou por situações traumáticas, e que é dessa dificuldade que surge o sofrimento, que tanto aflige a sua mulher.


A terceira a falar é Maria Luiza – Pupi. Ela militou durante a ditatura no movimento estudantil e foi presa e torturada quatro vezes ao longo dos anos 1970. Na época em que concedeu depoimento para o documentário, Pupi era separada, mãe de dois filhos e trabalhava como médica sanitarista.


Em seu depoimento, ela expõe que quando jovem militante partilhava, junto a seus companheiros de militância, de fortes sentimentos de poder e de grande capacidade de transformação do mundo. De acordo com Pupi, eles de fato acreditavam que poderiam – e iriam – mudar o mundo, para melhor. No entanto, essa sensação de autoconfiança foi esmagada em seu íntimo logo após Pupi ter sido presa e torturada várias vezes. No lugar daqueles sentimentos, ela passou a sentir uma profunda sensação de degradação, impotência e incapacidade, que durante muitos anos foram os seus grandes fantasmas.


Além disso, em fala dada ao documentário, um amigo de Pupi comenta sobre o constrangimento que gera um relato de tortura: tanto para quem se expõe, como para quem houve. Em função desses incômodos, Pupi foi praticamente obrigada a silenciar o seu passado durante muito tempo, o que lhe levou à solidão. Entretanto, Pupi passou a melhor encará-lo depois de vários anos fazendo tratamento psicológico. Além disso, ela alega que a maternidade também lhe foi muito importante nesse sentido, pois lhe forneceu novamente esperança. Esperança de mudança.


Regina é a quarta a dar depoimento. Ela foi integrante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8). Foi torturada em 1970 e passou um ano na prisão. Quando falou com Murat estava na sua terceira separação, era mãe de três filhos e trabalhava como educadora.


Emocionada, em sua fala Regina relata que foi presa após entrar em uma perseguição com os militares. Ela alega que já no ato de sua prisão teve seu corpo violado, com os militares fazendo uma revista em sua vagina. No entanto, seu sofrimento apenas tinha começado. Mais tarde, na prisão, ela iria passar por uma situação mais dolorosa ainda: a perda de seu primeiro filho. No entanto, apesar de ter perdido um filho em tal situação, Regina afirma que o que lhe deu forças para enfrentar a prisão e alimentar esperanças de liberdade foi pensar na possibilidade de novamente ser mãe, de novamente conceber uma vida, depois que tudo aquilo terminasse. Para Regina, se a ditadura era a representação da morte, da dor e do sofrimento, o seu corpo, por meio da maternidade, poderia ser uma resposta de vida e esperança. E são seus três filhos que lhe dão motivação para viver.


Logo em seguida é a vez de ouvirmos o depoimento de Rosalinda – Rosa –, que é a quinta a falar. Rosa foi presa e torturada pelo regime militar em duas ocasiões. Ela também tem um irmão, de nome Fernando, desaparecido pela ditadura desde 1974. Seus dados revelam que ela é professora universitária e mãe de três filhos.


É de Rosa uma frase que me marcou bastante:

“O nosso corpo era objeto de tortura”. Em seu depoimento, Rosa alega que os sentimentos de solidão, medo e impotência que a dominaram logo após a situação traumática da tortura quase a levaram a loucura. Para Rosa, o fato de ter sobrevivido foi durante muito tempo um fardo, uma culpa, em função da perda do irmão. Por que ela, e não o seu irmão, tinha o direito de continuar vivendo? Esse foi o grande questionamento que durante muitos anos lhe tirou o sossego e o prazer de viver. No entanto, também foi a perda de seu irmão que lhe deu motivo para escapar da beira da loucura e lutar por justiça. Justiça pela memória de Fernando.

A sexta mulher a falar é Criméia. Sobreviveu à guerrilha do Araguaia, foi presa grávida e teve o filho na cadeia. Quando falou para o documentário, cuidava de seu único filho e trabalhava como enfermeira.


Criméia fala da experiência de ter tido um filho na cadeia, em plena ditadura militar, logo

após ter tido diversos de seus companheiros – o afetivo (marido), os familiares (cunhado e sogro) e os de militância – assassinados pelos militares após o cerco do Araguaia. Inclusive, ela relata que uma das formas de tortura a que foi submetida na cadeia consistia em ser obrigada a ver fotos de seus companheiros decapitados. Sobre a maternidade na prisão, contraditoriamente, Criméia disse que a grande sensação sentida foi a de liberdade. No final de seu depoimento, Criméia, por ter vivido na realidade de uma guerrilha, lança críticas a ideia romântica e idealizada que muitos têm, inclusive pessoas próximas a ela, acerca das ações armadas ocorridas na ditadura.


A sétima a informar depoimento é uma ex-militante e ex-guerrilheira que preferiu não se identificar. De acordo com os seus dados, ela viveu na clandestinidade por quatro anos, e mais quatro na prisão. Na época da produção do documentário, ela vivia em uma comunidade mística. Ela fez seu depoimento de forma escrita.


Diferentemente dos outros, o seu depoimento não é tão claro e nem tão revelador acerca dos traumas que viveu. Aliás, ele é o mais curto de todos, com a duração de apenas três minutos. Nele ela não toca nas ocasiões da tortura. Ela apenas chega a comentar do espírito de transformação que compartilhou com outros jovens de sua geração, que acreditavam veemente na revolução. E a resposta a isso, segundo ela, foi a tortura. Mas, sobre esta, ela não entra em detalhes. Ela também alega que o que foi vivido por ela e por muitas outras pessoas não pode ser simplificado na dicotomia mocinhos versus bandidos. Ao conceder seu depoimento, ela informa que não quer que ele seja utilizado, de forma alguma, para retaliações.


A oitava e última mulher a falar é Jessie Jane. Na época, Jane era casada, mãe de uma filha e trabalhava como historiadora. Ela foi presa pelos militares durante um sequestro de avião. Foi por eles torturada por três meses e mantida presa por nove anos.

Jane informa que não apenas ela, mas que vários outros familiares foram presos pela ditadura militar: seu marido, sua mãe, sua irmã e sua sogra. Inclusive, Jane revela que uma das torturas que sofreu foi ter sido obrigada a ver a sua própria irmã sendo torturada. E passados os três longos meses em que foi torturada, Jane ainda iria passar quase uma década na prisão na condição de presa política do regime militar. Por ter vivido tanto tempo na prisão, viu parentes e amigos partindo para o exílio e a chegada dos militares ao poder em outros países da América Latina. Foi também na prisão que Jane deu à luz a sua filha, da qual logo teve de se separar.


Jessie Jane também comenta que mesmo após ter sido libertada pela anistia, sofreu – e ainda sofria – bastante preconceito em função de seu envolvimento com a luta armada. Sobrevivendo a tudo isso, Jane busca, enquanto historiadora, depois de tudo o que viveu, resgatar a memória de pessoas que passaram pela mesma situação que ela. Além disso, sua luta diária é combater a áurea de mito com que as pessoas a enxergam. Nesse sentido, Jane não omite o que passou, mas alega que apesar de tudo, é uma pessoa comum.

Para finalizar, gostaria de comentar que o filme-documentário Que bom te ver viva(1989), produzido por Lúcia Murat, é importante por dar voz a essas mulheres, que foram vítimas da tortura durante o regime militar brasileiro. Ele também é importante por recuperar e registrar suas memórias, visto que muitas vezes as vítimas da ditadura brasileira são relegadas ao esquecimento – quando não de todo são pretensiosamente deslegitimadas e desmerecidas. Além disso, o documentário tem a relevância de trazer tais experiências de tortura intercaladas com as de gênero, sobretudo com a maternidade.


Por meio dele, sabemos o quanto foi e é difícil para essas mulheres enfrentarem o trauma da tortura que viveram no passado. Trata-se de uma relação difícil a que essas oito mulheres foram submetidas, lidando, por vezes de forma contraditória, com a memória e com o esquecimento. Se é impossível, e até mesmo desumano, exigir-lhes de si mesmas o silêncio, elas também não podem se deixarem dominar pelas lembranças, algo que as levaria a loucura.


No entanto, acredito que apesar de suas memórias serem de extrema importância, essas mulheres não podem ser reduzidas apenas à condição de vítimas. Longe de pretender transformá-las em heroínas, ou algo do tipo, apenas defendo que suas lutas pela sobrevivência e pela vivência devam ser valorizadas. Além disso, apesar de tal passado formar parte integrante da identidade dessas mulheres, ela, também, tampouco deve ser limitada apenas a isso. Pois, essas mulheres, além de terem sido mulheres que foram torturadas, são mulheres que possuem rostos, corpos e sentimentos; que possuem gostos e desgostos; que partilham de sentimentos de alegria, ódio e tristeza; que possuem famílias, filhos, maridos e casas para amar e cuidar; enfim, que possuem uma vida própria, que não podem ser reduzidas a mais um nome ou número de vítimas da crueldade humana perpetrada pelo Estado.



REFERÊNCIA

Que bom te ver viva. Direção: Lúcia Murat. Brasil: 1989. Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=O8X20TTQNtA >. Acesso em 20/06/2019.

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