A REVOLUÇÃO DE 1930: VISÃO GERAL
Um novo, claro Brasil. Surge, indeciso, da pólvora. Meu Deus, tomai conta de nós. (ANDRADE, em Alguma poesia, 2007, p. 35).
Estes versos são de “Outubro 1930” e foi publicado no primeiro livro de Carlos Drummond de Andrade, Alguma poesia, em 1930. Como funcionário da alta burocracia, amigo íntimo de um dos ministros do governo de Getúlio Vargas, Drummond participou de vários acontecimentos da história nacional – principalmente daqueles recortados nos idos dos anos 30, do século XX. E, ainda, sobre esses eventos Drummond registra além do poema “Outubro 1930”, uma crônica intitulada por “Um dia de outubro” presente em A bolsa e a vida. De fato, 1930 esteve presente na vida e na memória do poeta – e sobre isso podemos falar um pouco ao longo do trabalho.
Após essa digressão inicial é preciso dizer que, antes de falarmos propriamente da Revolução de 1930, é necessário conhecermos o período que a antecedeu. Estamos falando da República Velha. E para isso o texto de apoio A crise dos anos de 1920 e a Revolução de 1930 nos é fundamental. Em linhas gerais, a dita “República Velha” começou em 15 de novembro de 1889 com a Proclamação da República e durou até 1930 quando aconteceu o momento histórico que vamos abordar nesse trabalho.
Falando brevemente sobre a República Velha e seus fundamentos políticos, há de se dizer que, o primeiro presidente foi o Marechal Deodoro da Fonseca – ele que proclamou a República e conquistou o mandato através do Governo Provisório. Esse Governo Provisório foi responsável por acabar com a mediação da Igreja nos interesses políticos. Deodoro da Fonseca, em seu governo, separou Igreja e Estado, determinou o fim do padroado e fez com que o casamento se tornasse um registro civil obrigatório – é muito importante salientar que isso, como outras medidas, não foi de responsabilidade total de apenas uma pessoa, isto é, estavam na ordem do dia, e, nos anseios políticos de várias pessoas.
Outra informação é a de que até 1930 foram 41 anos e 13 presidentes diferentes. Mas, não é de nosso interesse permanecer nesse metodismo. A questão é que um alto grau de instabilidade marcou os primeiros anos do regime instituído em 1889 (FERREIRA; PINTO, 2014).
Havia um alto grau de instabilidade na medida em que havia várias dificuldades no campo econômico e principalmente político, pois naquela época ainda se tentava consolidar as bases políticas da República brasileira. E nesse contexto podemos levantar um caso especifico desse momento político brasileiro, que foi a política dos governadores. A “política dos governadores” teve como objetivos:
confinar as disputas políticas no âmbito de cada estado, impedindo que conflitos intraoligárquicos transcendessem as fronteiras regionais, provocando instabilidade política no plano nacional (FERREIRA; PINTO, 2014, p. 390).
Dessa forma, chegava-se a um acordo básico entre a União e os estados – sendo assim, se encerrava às hostilidades existentes entre Executivo e Legislativo, controlando a escolha dos deputados (FERREIRA; PINTO, 2014). Segundo Ferreira e Pinto, conseguiu-se então lançar bases para a estabilidade das relações entre os poderes executivos e o da interação entre poder central e poderes regionais (FERREIRA; PINTO, 2014).
Ainda nesse contexto, é possível dizer que, o cargo de chefe máximo da União passou a ser dividido entre as oligarquias de Minas Gerais e as de São Paulo – detentores das maiores bancadas no Congresso no período –, a chamada política do café com leite (FERREIRA; PINTO, 2014). Nesse sentido, ora governava o país um representante indicado pelas elites de Minas ora um representante indicado pelas oligarquias paulistas.
Dessa forma, se tornou conciliatório a política dos governadores com a política do café com leite, o governo federal passou a sustentar os grupos dominante nos estados, enquanto estes, em troca, apoiavam a política do presidente da República votando no Congresso com o governo. Analisando esse contexto podemos dizer que: “a cada quatro anos abria-se na política brasileira uma nova conjuntura que mesclava, em maior ou menor grau, instabilidade e imprevisibilidade” (FERREIRA; PINTO, 2014, p. 392).
Não sendo vago, e tento não alongar demais a discussão deste tópico, outro ponto a ser destacado e que está intimamente relacionado a esse contexto trata-se do coronelismo. Um processo o qual os latifundiários (conhecidos como coronéis) – principalmente do interior do Brasil –, obrigavam as pessoas a votarem nos candidatos de sua indicação, (FERREIRA; PINTO, 2014), mas como isso ocorria?
Numa espécie de barganha, cuja moeda era o voto, o poder público alimentava o poder local com uma autonomia extralegal em troca do voto do eleitorado rural, que, embora incorporado ao processo político com a supressão do critério censitário, permanecia dependente social e economicamente dos proprietários rurais (FERREIRA; PINTO, 2014, p. 392).
Para mais, é importante dizer que, essa prática do exercício de poder do coronelismo memora desde a época do império, exerceu forte papel na República Velha e em menor escala, mas não em menor intensidade, perpetua-se em nos nossos dias[1].
E para fecharmos a discussão desse tópico é interessante notar que, no início da década de 1920 esse sistema apresentou sinais de esgotamento – aí leva-se em consideração a eclosão de graves conflitos no interior das oligarquias. Em outros termos, as práticas de controle das dissidências começaram a se mostrar menos eficazes (FERREIRA; PINTO, 2014). Apesar de conseguir se manter ao longo da década de 1920, é nesse contexto que se soma, ainda, todo o desenrolar das eleições de 1929 e o rompimento entre São Paulo e Minas; a quebra da bolsa de Nova York em 1929, que debilitou economicamente o país; o assassinato de João Pessoa em 26 de julho de 1930; e alguns outros episódios que se juntaram nesse turbilhão culminando no golpe civil-militar de 1930 e a deposição do presidente Washington Luís.
AS MÚLTIPLAS VISÕES: 1930 EM FOCO
Enfim, passada a parte de contextualização, considero importante chamar a atenção para a ruptura trazida pela revolução de outubro de 1930. Esse movimento queira quer sim, queira quer não, descolocou as tradicionais oligarquias do epicentro do poder, nesse sentido, os revolucionários mudaram um pouco a forma de se fazer política – aí frisasse o “pouco” (mas pensemos sobre isso posteriormente).
O que se torna indispensável agora é saber que, esse evento tem sido tratado na historiografia a partir de diferentes vertentes explicativas – e sobre isso tratemos, agora, de forma mais verticalizada.
Virgínio Santa Rosa: 1930 no calor dos acontecimentos
Uma primeira linha de interpretação vê o movimento de 1930 como uma revolução de classes médias (ROSA, 1933 apud FERREIRA; PINTO, 2014). Essa pioneira observação a respeito de 1930 foi realizada pelo autor Virginio Santa Rosa, em seu livro O Sentido do tenentismo (1933) – nota-se que o livro foi publicado poucos anos após a revolução de 1930.
Porém, para falarmos um pouco mais sobre seu trabalho e sua interpretação é, antes de tudo, necessário destacarmos o lugar social de Santa Rosa. Nascido em Belém (PA), Virginio Santa Rosa cursou a Escola Politécnica do Rio de Janeiro, formando-se engenheiro ferroviário. Foi a carreira que seguiu, trabalhando como engenheiro ferroviário e diretor de ferrovias, além de integrar o Serviço Geológico e Mineralógico do Ministério da Agricultura (Setor de Carvão de Pedra e Petróleo) e de exercer o cargo de diretor administrativo da Companhia Nacional de Seguro Agrícola (SAES, 2009).
No que diz respeito à sua militância política, Santa Rosa foi aliado, na década de 1930, à Liga de Defesa da Cultura Popular, movimento político ligado à Aliança Nacional Libertadora (ANL) – essa liga buscava, em linhas gerais, uma aproximação do trabalhador manual com o trabalhador intelectual. Apesar de sua relação com ANL, Saes (2009) aponta que Rosa foi simpatizante do integralismo e admirador de Plínio Salgado; inclusive, em 1936, Santa Rosa publicava um ensaio intitulado A personalidade de Plínio Salgado, em que faz uma apologia do chefe integralista como grande escritor modernista (SAES, 2009).
Nesse sentido, ao longo da leitura do artigo O pensamento político de Virginio Santa Rosa: um esboço interpretativo, de Guillaume Azevedo Marques de Saes, podemos constatar um Santa Rosa que ora estava admirando o comunismo ora flertava com preceitos do fascismo. E que, no fundo, se mostrava como expoente de um nacionalismo de cunho autoritário, antioligárquico e jacobino, que viu na ação política dos tenentes a realização de seus ideais (SAES, 2009).
Enfim, agora tendo em mente o lugar social e a militância de Santa Rosa, podemos voltar ao início dessa exposição, quando foi dito que, a primeira linha de interpretativa vê o movimento de 1930 como uma revolução de classes médias. Isto é, como um conflito entre dois grupos da burguesia – a pequena burguesia e a burguesia nacional – que teria evoluído para uma revolução devido a uma cisão, que como aponta Marieta Ferreira e Surama Pinto, esteve em torno da sucessão presidencial de 1929 e ao fato de as classes médias terem se apoiado no movimento tenentista como uma expressão política (FERREIRA; PINTO, 2014).
Para mais, Santa Rosa é aquele que escreve sobre o movimento de 1930 no calor dos acontecimentos, e, basicamente, seu ensaio é uma análise interpretativa do tenentismo que busca explicar o fenômeno desde as suas origens mais essenciais, qual seja, as transformações e as lutas de classes no contexto das mudanças por qual o Brasil passava – entre a República Velha e a Revolução de 1930.
Nesse sentido, e agora fechando a exposição sobre Santa Rosa, podemos constatar – através Marçaioli – que Rosa apenas consegue suprir a falta de perspectiva no tempo pelo seu método materialista e dialético que irá sempre extrair as explicações dos acontecimentos e da transformações da história dentro da luta dentre as duas principais frações de classes no período: a pequeno burguesia e as classes médias da cidade, da qual os tenentes são base de apoio, e os velhos detentores de poder, os latifundiários e as oligarquias regionais, com destaque para as elites de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul (MARÇAIOLI, 2015).
Nelson Werneck Sodré: 1930 um degrau para a ascensão da burguesia
Outra linha de interpretação, essa por sua vez ganhou destaque na década de 1960 entre os setores da esquerda brasileira, sustenta que a Revolução de 30 expressaria a ascensão da burguesia industrial à dominação política (SODRÉ, 1962 apud FERREIRA; PINTO, 2014); ou seja, uma revolução burguesa. Essa segunda vertente destacada a respeito de 1930 foi condicionada ao historiador Nelson Werneck Sodré, em seu livro Formação Histórica do Brasil (1962) – para compressão de seu pensamento utilizaremos o capítulo “Capitalismo e revolução burguesa no Brasil”.
Porém, assim como feito anteriormente, para falarmos um pouco mais sobre o trabalho e a interpretação de Sodré se torna, mais uma vez, necessário destacarmos o lugar social de Nelson Werneck Sodré. Nasceu no dia 27 de abril, em 1911 (no Rio de Janeiro), e faleceu em 1999. Sodré foi um militar (passou para a reserva do Exército em 1961 como general de brigada), mas se tornou notável e reconhecido como escritor, pesquisador e professor. Durante um bom tempo foi chefe do departamento de história e professor no Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), porém devido ao golpe de 1964 e a eclosão da ditadura militar no Brasil, teve de se refugiar durante anos na zona rural de São Paulo.
Um episódio marcante de sua vida foi quando tendo sido designado como comandante da 9ª Região Militar, em Mato Grosso, em março de 1938. Foi convocado a intervir em conflitos de terra entre grandes proprietários e agricultores pobres naquele estado brasileiro, segundo informações da plataforma do CPDOC, Sodré teria iniciado a sua rotação à esquerda, na direção do marxismo, quando defrontado com este episódio.
Tendo ciência dessas informações passemos a nos aprofundar em suas interpretações sobre a revolução de 1930. Enfim, a primeira consideração a ser feita é a de que o autor mostra que 1930 marcou a chegada da burguesia industrial ao poder. Segundo Sodré (1990), esse triunfo foi possível graças a alguns conflitos existentes dentro das próprias oligarquias, que acabaram por dar espaço à ascensão burguesa no cenário nacional.
Ele chama a atenção também para o fato de políticos civis e militares e tenentes formarem uma aliança, uma vez que cada fração dessas da sociedade representava correntes diversas de opinião. Antes da Revolução o Estado era o representante dos interesses dos grandes proprietários de terras, e isso contrariava o quadro de desenvolvimento nacional onde novas forças produtivas ascendiam, dentre elas, a burguesia (SODRÉ, 1990).
Para mais, Nelson Werneck Sodré afirma ter sido em 1930 uma Revolução burguesa – chamada assim pelo autor porque mudou a estrutura política em vigor, pondo fim ao poder das oligarquias estaduais. Mas, porque uma Revolução Burguesa? Foi "burguesa" porque a burguesia era a classe social em ascensão durante esse período e juntas (a alta e a baixa burguesia) participaram efetivamente da Revolução (SODRÉ, 1990). Podemos citar também que, na concepção de Sodré (1990), o processo revolucionário pôs fim ao que o autor chamou feudalismo agrário praticado pelas oligarquias. Logo,
[...] a revolução burguesa no Brasil, pois, é o processo de mudança que, pelo desenvolvimento das forças produtivas, pelo desenvolvimento das relações capitalistas, permitiu a burguesia torna-se a classe dominante e introduzir as relações superestruturais necessárias à preservação e desenvolvimento de seus interesses de classe (SODRÉ, 1990, p. 91).
Nesse sentido, fica claro que: “Ela [a burguesia] teve no movimento de 1930 um dos degraus mais importantes de sua ascensão” (SODRÉ, 1990, p. 101). E mais do que isso, “o movimento de 1930 e a nova composição do poder permitiu ao Estado efetivar sua participação nas mudanças em curso” (SODRÉ, 1990, p. 100).
Nesse contexto, por fim, percebemos que:
“a hegemonia conquistada no movimento de 1930 permite à burguesia optar pela ditadura instalada em 1937 como Estado Novo, inserida na larga tendência ascensional das formas agudas – fascismo, nazismo, militarismo – com que a burguesia, em escala mundial, definia o pânico a que fora levada pela crise e pela ameaça do socialismo triunfante na Rússia anos antes” (SODRÉ, 1990, p. 101).
Boris Fausto: 1930 um conflito intra-oligárquico
Em sequência outra interpretação, que teve ascensão na década de 1970, entende que a Revolução de 30 seria o resultado de um conflito intra-oligárquico fortalecido por movimentos militares dissidentes, que tinham como objetivo golpear a hegemonia da burguesia cafeeira paulista. Ou seja, em virtude da incapacidade das demais frações de classe para assumir o poder de maneira exclusiva, e com o colapso da burguesia do café, abriu-se um vazio de poder, que teria gerado o Estado de Compromisso – mais a frente veremos o que se trata esse Estado de Compromisso. Essa terceira vertente sobre 1930 foi de idealização do historiador Boris Fausto, em seu texto A revolução de 1930 (1968) – presente no livro Brasil em Perspectiva.
Entretanto, assim como feito nas partes anteriores, para falarmos um pouco mais sobre o trabalho e a interpretação de Fausto se torna necessário destacarmos o seu lugar social. Nascido em 1930, Boris Fausto é filho de imigrantes judeus. Ele graduou-se em direito em 1953, tornou-se procurador do Estado em 1962. A opção por estudar a história ocorreu-lhe um pouco mais tarde, graduou-se na área em 1967. Sua primeira grande obra foi a sua tese de doutorado: A Revolução de 1930, que foi publicada inicialmente em 1970.
Sobre sua interpretação, em linhas gerais, Fausto tenta mostrar que a relação entre o episódio da revolução de 1930 e as classes sociais não era simples, uma relação de causa e efeito. Isto é, “a revolução de 1930 não é expressão de uma luta de classes e nem mesmo uma ‘divisão pura’ de facções burguesas, entre um setor agrário e um setor industrial” (FAUSTO, 1968, p. 284).
Mais do que isso, a revolução de 1930 se caracterizou como uma cisão intraoligárquica. Nesse sentido, Fausto (1968) salienta que, os grupos das oligarquias estaduais que não eram ligadas aos interesses do café passaram a reivindicar por uma maior participação e influir diretamente nas decisões políticas.
Entretanto, é relevante citar também que, interesses dos cafeicultores e industriais eram dissidentes. Porém, essa dissidência não produziu uma oposição dos industriais contra os cafeicultores. Na realidade, o cenário da imparcialidade de investimento e apoio do Estado a industrialização e a economia nacional, impediu naquele momento a formação de uma classe burguesa industrial e de um programa político e econômico especifico a essa classe. Além disso, situa-se segundo o autor que, a rigor, apesar de existirem atividades industriais, não se podia naquele contexto falar de uma burguesia industrial (FAUSTO, 1973).
Em linhas gerais, nesse contexto, nasce a Aliança Liberal, que surge como uma oposição ao sistema político e econômico vigente. Sua composição é de grupos desvinculados dos interesses da burguesia cafeeira (FAUSTO, 1973). Coloca-se que, a Aliança Liberal, não é um partido político, é mais um instrumento de pressão a ordem vigente e tem como foco principal do seu programa a reforma política.
Sendo assim, ela representa o meio para romper a política café com leite e é creditada desde a burguesia industrial até a classe assalariada. Contudo, o autor ressalta que ela não é um programa de oposições de classe e que carrega na sua essência uma acomodação e controle pelas oligarquias que controlavam o poder regional, como, por exemplo, a candidatura de Vargas dentro do acordo político da Aliança foi o maior instrumento de pressão ao governo (FAUSTO, 1973).
Para mais, dentre os atores sociais que participaram do processo da Revolução de 1930 está o movimento tenentista que tem uma característica imprecisa de caracterização como classe média. Essa interpretação de classe média do movimento tenentista vem sendo combatida, e dessa forma, Boris analisa a atuação do tenentismo como movimento de classe média e sua importância no processo revolucionário.
Sobre o caso mais especifico da Revolução é interessante pontuar a partir de Fausto (1973) que, a Aliança Liberal, após a derrota nas urnas, e o assassinato de João Pessoa, se ergue nas vias revolucionarias. Mais que isso, é importante considerar também que, “após as eleições de 1930, os grupos de oposição se unificaram, os velhos oligarcas acabaram aceitando a aliança com os ‘tenentes’ e a via revolucionária se impôs” (FAUSTO, 1973, p. 270).
Além disso, segundo Fausto (1973), a dependência externa, a crise de 1929, as disputas de grupos internacionais pelo controle da América Latina e a composição da insatisfação das classes marginalizadas política e economicamente, tiveram papeis importantes nesse clima de pré-revolucionário. Nesse sentido, a revolução se efetivou em outubro de 1930. Diz o autor: “Revolução de 1930” foi o resultado “da aliança temporária entre facções burguesas não vinculadas ao café, as classes médias e o setor militar tenentista” (FAUSTO, 1973, p. 275).
Por fim, saliento também a questão problemática do papel desempenhado pela classe operária. Enfim, vimos que a Revolução figurou em torno da Aliança Liberal, que foi liderada pela burguesia e oligarquias, grupos dominantes do cenário político e econômico brasileiro e que no momento de aplicar as ideias do programa de governo, a classe operaria se chocava com a classe burguesa e seus interesses permanentes. Dessa forma, não é estranho pensar que, como Fausto aponta, a classe operária não tenha desempenhado um papel importante na “Revolução de 1930” (FAUSTO, 1973). Segundo o historiador, o operariado brasileiro se manteve alheio ao contexto revolucionário de 1930. Entretanto, se algo podemos inferir sobre ela, é que no texto aponta que havia uma simpatia da classe operária com os revolucionários – “a massa operária simpatizava com os revolucionários” (FAUSTO, 1973, p. 275).
Agora, de fato, para finalizar, falemos rapidamente sobre outro ponto importante presente na interpretação de B. Fausto. Trata-se do Estado que se estabeleceu após a revolução: “se verifica nos anos posteriores a 1930 [...] uma composição de equilíbrio entre as várias tendências burguesas” (FAUSTO, 1973, p. 276). O Estado de Compromisso seria, portanto, um Estado que não é monopolizado pela burguesia, mas que não vai servir apenas a ela – a burguesia.
Edgar De Decca: 1930 uma revolução de quem?
Por fim temos a quarta linha interpretativa, em inícios dos anos 1980, mais uma corrente foi desenhada nos debates em torno da Revolução de 30, em cujo cerne está a desqualificação de 1930 enquanto marco revolucionário e a ideia de que a revolução representaria um golpe preventivo da burguesia contra o movimento operário, visto como uma ameaça à dominação burguesa (DE DECCA, 1981 apud FERREIRA; PINTO, 2014). Essa vertente mais recente é legada ao historiador Edgar de Decca, para entendermos um pouco mais sobre seu posicionamento vejamos o seu livro O silêncio dos vencidos (1981) – mais especificamente o capítulo “A dissolução da memória histórica”.
Todavia, assim como feito com os autores anteriormente citados, antes de nos debruçarmos sobre a produção e interpretação de Decca se torna, mais do que nunca, indispensável destacarmos o lugar social de Edgar De Decca. Ele foi um importante e conhecido historiadora brasileiro, que nasceu pouco depois do final da 2ª Guerra Mundial – em 1946 – e faleceu recentemente – em 2016. Como dito, ao longo de seus 70 anos de vida, De Decca se tornou um dos intelectuais mais destacados do pais, estudou e concluiu seu doutorado na Universidade de São Paulo (USP) e durante muitos anos foi professor do departamento de História da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
Enfim, toda a discussão que norteou os discursos sobre a Revolução de 1930 até a década de 1970 esteve restrita a especulações como: uma revolução burguesa; revolução de classes médias; conflitos intra-oligárquicos etc. Sem tirar a validade dessas discussões, pois se constituíram em obras clássicas da historiografia, no entanto, essa mesma historiografia se deparou a partir de 1970 (principalmente na década de 1980) com mudanças significativas na forma de se ler e de se analisar a revolução ocorrida em outubro de 1930.
Para Edgar de Decca, 1930 esteve longe de ser uma Revolução. O autor denomina esse período da história brasileira como sendo um Movimento burguês que teria surgido com a finalidade de asfixiar o Movimento operário que crescia e ganhava força (DE DECCA, 1981). De acordo com de Decca (1981), o que alguns autores denominaram Revolução afirmando mudanças, rupturas nas estruturas da época – não passou de um movimento que acabou por dar continuidade às antigas estruturas da República Velha, pois o sistema de poder não se modificou. O que houve, ainda segundo ele, foi uma construção do fato histórico de 1930, juntamente com a elaboração de uma memória histórica sobre o evento, construída pelos vencedores, que teve por objetivo legitimar o poder por eles alcançado após outubro de 1930 (DE DECCA, 1981).
Enfim, de certa forma, contrapondo-se a esta, a produção historiográfica da década de 1980, representada por Edgar de Decca com O silêncio dos vencidos, desqualifica 1930 enquanto marco revolucionário. Lemos: “A revolução de 1930 não é expressão de uma luta de classes e nem mesmo de uma “divisão pura” de facções burguesas, entre um setor agrário e um setor industrial” (DE DECCA, 1981, p. 284).
Somente a partir disso podemos notar que, o trabalho de Edgar De Decca conceituando e vinculando a ideia de memória histórica à Revolução de 1930 dá ao evento uma visão oposta às demais já produzidas até então. É em O silêncio dos vencidos que o autor aponta as novas diretrizes para que se possa entender melhor o que se convencionou chamar de "Revolução de 1930".
Além disso, no que diz respeito à classe trabalhadora, a qual De Decca se refere em O silêncio dos vencidos como "proletários", ela foi "vítima" de uma luta de classes pelo poder que acabou por asfixiar os interesses da classe trabalhadora (DE DECCA, 1981). O poder do discurso elaborado pelos vencedores de 1930 era demasiadamente forte – e ainda é. Foi capaz de legitimar o poder daqueles que triunfaram na revolução e de manipular o papel político de alguns dos agentes aliancistas, como a classe trabalhadora e o tenentismo (DE DECCA, 1981).
É partindo dessa reflexão podemos fazer menção ao fato de que, as primeiras agitações contra o governo de Washington Luís e que desencadeariam na Revolução em 1930 teriam começado em 1928, segundo De Decca. Em São Paulo, três propostas políticas de revolução partiram de agrupamentos políticos distintos: o PD, os tenentes e o BOC (DE DECCA, 1981).
Para cada um desses grupos, o intuito revolucionário possuía propostas distintas, embora todos eles se posicionassem contra o Partido Republicano Paulista. Havia então lugares diferentes definidos pelo termo revolução e a possibilidade de surgir um acordo entre essas variadas propostas, já que possuíam um ponto em comum: o desejo de uma revolução que destituísse do poder o PRP. Dessa forma, o PRP ficaria de fora já que este era o inimigo comum dos outros grupos políticos e, em seguida, viria uma polarização desses grupos sob a liderança de Luís Carlos Prestes. O termo revolução estava presente entre as várias propostas políticas do período, inclusive as propostas do próprio PRP. Sim, porque os perrepistas não se diferenciavam dos demais grupos por não possuírem propostas revolucionárias. Eles se diferenciavam porque representavam o inimigo comum dos demais grupos: “o fantasma da oligarquia” (DE DECCA, 1981).
Porém, não tardou para que o BOC fosse deslocado do conjunto das oposições, e isso se deveu muito mais ao fato de que, “progressivamente, a prática política da classe operária, em 1928, explicitou para os outros setores da sociedade uma possibilidade de revolução cujo alcance ia muito além da genérica luta anti-oligárquica” (DE DECCA, 1981, p. 105). Enfim, dessa forma, o conjunto das oposições se sobressaiu como vencedores pois venceu o “fantasma da oligarquia”, mas, sobretudo, porque conseguiu impor o seu projeto revolucionário por meio de um golpe que segregou a classe operária da cena revolucionária (DE DECCA, 1981).
Pois bem, em comparação com as interpretações anteriores, que seja dito que: a interpretação do historiador Edgar de Decca para a “Revolução de 1930” surge como uma nova perspectiva pois, analisa ela também através do simbólico – isto é, a partir do campo da representação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS E CONCLUSÃO
Alcançado o fim do nosso trabalho de pesquisa e investigação, torna-se fundamental refletir sobre todo o processo que nos conduziu até aqui e, ao mesmo tempo, apresentar as conclusões a qual foi possível chegar. Parece-me também igualmente relevante citar algumas considerações finais.
O presente estudo teve como finalidade fazer uma discussão historiográfica sobre a revolução de 1930, movimento deflagrado sob a liderança civil de Getúlio Vargas; e que teve sob chefia militar o tenente-coronel Pedro Aurélio Góis Monteiro. Digo finalidade pois considero que atingi esse objetivo – o de falar um pouco sobre os debates históricos sobre esse evento.
Além disso, consideramos que cada uma das etapas deste processo: a) leitura; b) pesquisas bibliográficas (extras); c) reflexão; e d) produção textual foram fundamentais. Fundamentais pois, apesar de rapidamente já ter me deparado com o tema da revolução de 1930 só agora pude verticalizar e conhecer mais esse evento histórico. Para mais, foi mais um passo dado, pois, por meio dos autores discutidos, me localizei a partir do momento que foi possível descobrir mais sobre o movimento de 1930.
Afora essas rápidas, porém incisivas, considerações finais, é importante fazermos algumas ponderações no tocante a nossa conclusão.
Obviamente, ao longo da disciplina de Brasil III foi possível constatar que: se tratando do início do período republicano, no que toca ao Brasil, há várias formas de se visualizar e analisar o passado (basta rememorarmos os textos lidos e discutidos). Mas ainda é vago demais, podemos ir mais fundo nessa digressão. A partir do debate historiográfico sobre a “As múltiplas visões: 1930 em foco” (item 2 de nosso debate) é possível dizer também que: por mais que algumas pessoas enquadrem o materialismo histórico e a influência marxista na escrita da história como algo homogêneo, podemos perceber o contrário, que ela se mostra muito diversificada e até mesmo múltipla, à medida em que observamos quatro autores que se alicerçam nessa perspectiva, mas que possuem visões distintas.
Nesse sentido, ao meu ver, a maior contribuição (se assim possa se dizer) da historiografia sobre a revolução de 1930 à os estudos históricos é a de conscientizar o historiador sobre a necessidade de expandir o repertório de técnicas e metodologias empregadas no ambiente acadêmico para além daquelas já trabalhadas por Rosa, Sodré, Fausto e De Decca, não desprezando suas contribuições, mas afirmando que muito ainda pode ser feito.
E agora não somente concluindo, mas também finalizando, relembremos o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade, que em sua crônica “Um dia de outubro” (escrita no ano de 1959), memora o dia que “passava em calor, boatos, telefonemas nervosos, corre-corre” (2012, p. 24) – mais um dia, que em nada se mostrou de “novo” no cotidiano social de mais um sujeito brasileiro, pois todo dia passamos em meio ao calor, boatos, telefonemas nervosos, corre-corre... Enfim, lemos:
Um habilidoso, creio que Alkmim, encontrou a maneira de dar o noticiário da revolução no austero Diário Oficial, adotando este título: “Pela restauração republicana”. O 12o R. I. resistiria alguns dias, cedendo afinal: em torno ao quartel, cavalos apodreciam, imensos; lá dentro faltavam víveres, a água das torneiras jorrava colorida de azul de metileno, Washington Luís não conseguira despachar reforços. Aconteceu há 29 anos, e a República ainda não acabou de ser restaurada – se é que foi instaurada alguma vez. [Grifo meu]. (ANDRADE, 2012 p. 25).
Pouco importa se a versão de Drummond condiz com o que realmente aconteceu em outubro de 1930 – pouco importa saber quais dos quatro historiadores estão com a “verdade”. O que de fato importa é que aconteceu há 88 anos, e a República ainda não acabou de ser restaurada. E quando será?
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Carlos Drummond de. A bolsa & a vida. 2012.
______. Alguma Poesia. In Poesia Completa: conforme as disposições do autor. – 1.ed., 3.impr/ - Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007.
DECCA, Salvadori Edgar de. A dissolução da memória histórica. In 1930 O silêncio dos vencidos: memória, história e revolução. São Paulo: Editora brasiliense, Primeira edição, 1981. 5ª edição, 1992. p. 71-110.
FAUSTO, Boris. “A revolução de 1930” (p. 255-284). In Brasil em perspectiva. Org. Calos Guilherme Mota. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1973.
FERREIRA, Marieta de M.; PINTO, Surama C. Sá. “A crise dos anos 1920 e a Revolução de 1930” (p. 389-415). In. Ferreira, Jorge & Delgado, Lucilia de Almeida Neves (Orgs.). O Brasil republicano. Vol. 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.
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[1] Ver mais em Coronelismo, enxada e voto, Victor Nunes Leal, 1948.
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